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Meus dias na livraria Morisaki

Cheguei à livraria Morisaki meio que por acaso. Ela estava bem escondida em um cantinho das “ruas” que percorro ao longo de minhas imersões literárias. Era uma “livraria pequena em tamanho”, apenas 176 páginas, mas enorme em conteúdo. A paixão foi à primeira vista.

Sentei-me na poltrona com uma xícara de café, já que não estava propriamente em Tóquio, e ir a uma Kissaten era algo bem improvável.

Takako-chan se apresentou como uma jovem de 25 anos que mais parecia uma adolescente chorona. Pensei que não iria gostar dela, mas acabei me encantando, por que é sempre prazeroso ver o desenvolvimento pessoal de seres humanos que buscam conhecer a si mesmo.

A história é simples, Takako leva um fora do namorado, que muito sem noção tinha outra. Pede demissão do emprego e começa a viver em um turbilhão de negação do mundo exterior, até que seu tio Satoru-san, dono de um sebo no bairro de Jimbôchô a convida para morar em cima da livraria Morisaki.

Só para situar o lugar, Jumbôchô é um bairro em Tóquio conhecido por seus inúmeros sebos, quase duzentos. Este lugar, um paraíso, já apareceu na série de filmes Samurai Gourmet.

Voltando a trama,é nesse momento que a magia acontece, no instante que Takako-chan pisa na livraria um mundo de fatos começam a se desenrolar, um processo de busca por autoconhecimento, por encontrar seu lugar no mundo vai acontecendo dentro da personagem, e você se encanta, se emociona, porque participa dele.

Tem o Satoru-san também, que a primeira vista é um “bonachão”, mas aos poucos se mostra alguém além das expectativas que criamos em torno de sua história. A paixão pelos livros, seu carinho pela sobrinha, seu amor pela esposa desaparecida Momoko o tornam um personagem complexo.

É um livro delicioso de se ler e as 172 páginas parecem ser pequenas demais para que possamos conhecer tantos personagens interessantes.

Muitos dos livros traduzidos do japonês ficam entre dois polos distintos: ficção literária sofisticada ou romance leve adaptado para anime. “Meus dias na livraria Morisaki, de Satoshi Yagisawa” situa-se entre esses dois extremos, por isso nos traz um romance leve e charmoso repleto de mensagens profundas embrulhadas em suas páginas.

Satoshi é hábil em evocar sentimentos poderosos que qualquer um de nós, amante de livros, irá reconhecer: a alegria de encontrar uma passagem sublinhada em um livro usado que o toca tanto quanto tocou o leitor anterior, as descrições de emoções que nos movem da euforia e lágrimas - com as quais, naquele momento, você se identifica perfeitamente.

“Meus dias na livraria Morisaki” nos apresenta como lidar com traumas através da leitura de livros, algo que já comentei com vocês por aqui diversas vezes. Takako é nosso alter ego desta jornada.

Yagisawa também nos apresenta um amplo espectro da literatura japonesa, que nos enche de vontade de buscar esses autores, já sabendo de antemão que muitos deles não iremos encontrar. Dentre eles destaco Akutagawa Ryunosuke, Natsume Sôseki, Mori Ôgai

Em dias tão tumultuados como os de hoje, é uma alivio poder desfrutar de um lugar como a Jimbôchô da trama, um lugar onde as pessoas não tem medo de fazer conexões. É acolhedor e nostálgico.

É um livro que eu “receito” a leitura, como um analgésico para as dores cotidianas. Não se engane: dose única pequena mas extremamente eficaz.

Boa leitura


Autor: Satoshi Yagisawa

Tradutor: Andrei Cunha

Ano de lançamento: 2024

Editora: Bertrand Brasil

Gênero: Ficção Japonesa

Páginas: 176

Comentários

  1. Imagina um lugar com quase duzentos sebos. Fiquei com vontade de ler. Espero, um dia. Belo texto!

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  2. Interessante sua abordagem... Vou dar de presente para minhas netas que adoram literatura japonesa, e usos e costumes do Japão.

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