Domingo no parque, uma área verde encravada no meio de um bairro planejado, cujo nome reflete a aura e a paisagem do local: Jardim das Perdizes.
Caminho por entre as árvores. O céu parece
uma pintura cuja linha divisória não foi esfumada o suficiente: metade de um
azul desbotado e a outra metade completamente cinza, com tons que vão do
queimado ao payne. Quem olha o céu acredita que um artista gigante fez um risco
divisório com uma régua.
O tempo está fresco, parece até uma
primavera aconchegante. Vez ou outra uma brisa sussurra e arrepia as folhas das
árvores. No ar não há o barulho das grandes cidades, mas um burburinho delicado
com se os passantes de lá tomassem cuidado para não ferir a paz.
Se há cadeiras, há a vontade de sentar.
Olho o entorno de um confortável refúgio.
Não demora muito uma mulher e uma criança
pedem licença para sentar-se. Estão próximos, mas não o suficiente para
atrapalhar a paz. Observo-os.
O garoto pede a mãe o livro, que
supostamente ela deveria estar carregando na sacola. Não estava lá, apenas dois
gibis que o menino aceita sem pestanejar. Ele quer ler.
A mãe, entre sem graça e tímida, nos
informa: - Ele gosta de ler.
O que era interessante fica além da minha
discrição. E comento:
- Que bom! Hoje em dia as crianças gostam
de ficar na tela do celular.
O garoto interrompe a leitura.
- Eu gosto de ler. Gosto de tudo.
A mãe explica que o Kauã tem 9 anos e ama a
leitura. Não gosta de futebol, nem das brincadeira tão comuns nesta idade, ele
quer sempre um bom livro ao seu lado.
Kauã interrompe novamente a leitura e começa
a falar. Confesso ter ficado espantada. A amplitude do vocabulário usado, as
conjugações verbais e a forma como ele aborda diversos assuntos me assombra de
uma forma completamente positiva.
A mãe questiona, creio que com medo que ele
esteja nos importunando:
- Você não ia ler?
Ao que ele responde:
- Vou socializar.
Percebo na fala, na criatividade, nos assuntos
abordados o trabalho contínuo de uma boa leitura. Observo que a criança que lê
se desenvolve de uma maneira brilhante. Nove anos e falando de Inteligência
Artificial, de como será o mundo daqui uns cem anos, de como identificar fake news e outra miríade de temas que muitos
adultos não seriam capazes de manter uma conversa por tanto tempo.
Kauã não vem de uma família abastada, nem
de uma escola particular. O menino é de uma família simples, cuja mãe
batalhadora se mata de trabalhar para manter a família. Mora na periferia e
aproveitou a carona de uma amiga para levar o filho naquele parque.
Como ele iniciou o gosto pela leitura não
saberia explicar. Nitidamente a mãe não lê e nos conta que o pai distante não
dá valor para essas coisas. Provavelmente foi na escola que isso aconteceu, e
sim, uma escola pública.
Ler não é uma questão de ter tempo, mas uma
questão de necessidade. Assim como você se banha, escova os dentes todos os
dias, a leitura é um habito de higiene mental e também de alimento espiritual.
Não importa em que parte do mundo você viva, se na riqueza ou na pobreza,
porque a verdadeira riqueza sempre será nosso conhecimento.
Lembrando do Kauã, reforço aqui a minha
velha orientação.
Leia, leia de tudo, livros, gibi, folhetos,
artigos de revista, da internet, placas de orientação no metrô... mas... leia.
Como disse alguém, que agora não me lembro quem é:
A leitura é o maior ato subversivo. Não
poderá ser tirado de você nem nas piores ditaduras. Somente na ficção ela pode
ser suprimida.
Então, se eu puder dar um conselho para
este ano de 2025:
Leia todos os dias e me conte os primeiros resultados daqui a três meses
Imagem: Freepik
Belo texto. Como sempre seus escritos atingem a alma do leitor. Que o mundo dê um jeito de novos Kauas não passem a ser raridades.
ResponderExcluirLUIS ANTONIO
Luis, obrigada pelo carinho de sempre. Kauã me impressionou e me trouxe esperanças em um futuro melhor. Abraços
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