O que faz uma grande estória? O que é necessário para que o leitor fique preso à trama e não queira parar até que a última página chegue? Até hoje não encontrei alguém que desse uma resposta definitiva sobre isso, apenas pistas.
Quem conta
uma estória precisa se envolver com ela, precisa senti-la na pele, nos ossos em
seu mais profundo ser. Se não fizer isso, não conseguirá prender o leitor de
uma forma perpétua, aquela que queremos saber o fim e que mesmo após saber o
final da trama continuamos por dias pensando no que aconteceu e em como os
personagens estão vivendo.
Socorro
Acioli consegue fazer isso plenamente, e não é porque ela fez uma oficina com
Gabriel Garcia Marques. É porque ela tem talento para escrita, é porque ela se
esforçou para encontrar a técnica perfeita para a trama que tinha apenas em sua
cabeça. Oficinas de escrita nos ajudam a escrever, mas se não houver talento e
perseverança será apenas mais um curso no currículo desta pessoa.
A Cabeça
do Santo é o primeiro livro adulto escrito por ela, mas fico me perguntando o
que diferencia um livro hoje em dia? Crianças são expostas as mais duras
imagens pelos celulares, então qual é o parâmetro para dizer se um livro não
pode ser lido por uma criança leitora habilidosa? Eis aqui um livro que eu
deixaria meu filho de 11 anos ler.
A trama
tão bem elaborada por Socorro Acioli nos leva a um mundo fantástico no qual Samuel,
o protagonista, ao cumprir uma promessa feita para a mãe a beira de
seu leito de morte, segue em direção a cidade de Candeia para procurar a avó e
conhecer seu pai.
Samuel não
segue da maneira esperada. Não pega um transporte e vai. Ele trilha o caminho
em busca de seu passado a pé, como um romeiro em busca de redenção. Nessa
trajetória ele passa por todas as dores e descrenças de quem segue um caminho
árduo, para somente no final, quando estiver livre de sentimentos que poluem a
alma, encontrar o amor. É lindo.
O
personagem ao chegar em Candeia, se instala na cabeça Santo Antônio e lá começa
ouvir as vozes das mulheres, que rezam para o santo pedindo por um casamento. É
aqui que mora a parte fantástica da trama, é onde mora o sobrenatural que
permeia alguns autores latino-americanos. É o sobrenatural da fé, da crença em
um santo para resolver seus problemas.
Li algumas
resenhas sobre o livro que criticavam o fato de colocar a mulher como alguém
louca para casar a ponto de interagir com um santo, fazer promessas loucas,
amarrá-lo de ponta cabeça em um poço e outras coisas que se faz, quando se
coloca as decisões de vida nas mãos de outra pessoa.
Particularmente
não vi nenhum problema nisso, pois se você rodar o Brasil, nas cidades mais
afastadas, ou mesmo no interior de São Paulo, você perceberá que boa parte
dessas mulheres ainda vê o casamento como objetivo de vida. Socorro Acioli
apenas retratou isso em sua estória.
De posse
dessas informações, você percebe que o texto tem uma força narrativa que
extrapola qualquer discussão meramente de gênero. Um santo cuja cabeça não pode
ser colocada no corpo. Um personagem que precisou desaparecer porque cometeu um
erro e a cidade de forma fantasiosa caiu em desgraça. Um menino que cresceu sem
pai acreditando ser um abandonado e pessoas cujo amor precisa ser incentivado
para que tomem coragem de assumir seus sentimentos.
E quando o
menino/homem Samuel chegou a cidade e ouviu as vozes, você tem a sensação de
uma abertura do próprio coração do personagem, fechado dentro das agruras do
ser nordestino, do Ser que sofre as demandas e desmandos de um Sertão árido, já
tão retratado por outros autores.
Socorro
Acioli é uma autora nacional, sem dúvida nenhuma, mas suas veias
latino-americanas deu um sabor especial a esta trama.
Então pode
ler sem medo. Aqui, o absurdo se torna real, porque ele existe em sua forma
mais dura e contundente.
Socorro Acioli
Nasceu em Fortaleza,
24 de fevereiro de 1975. Jornalista, escritora e doutora em Estudos de
Literatura pela Universidade Federal Fluminense (2010). Publicou livros em
diversos gêneros como literatura infanto-juvenil, Ensaios Biográficos. Em 2013
recebeu o prêmio Jabuti de literatura infantil.
Ano de lançamento: 2014
Editora:
Companhia das Letras
Gênero:
Romance Brasileiro
Páginas:
174
Fotos:
Livro: Soraya Fellix
Autora: Renato Parada / Divulgação
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