Pular para o conteúdo principal

Mrs. Dalloway


        "Ela diria que a vida é isso: um momento de luz, entre duas eternidades de escuridão."

Virginia Woolf escreveu Mrs Dalloway em 1925, mas sua força continua pulsando com surpreendente atualidade. Neste romance, acompanhamos um único dia na vida de Clarissa Dalloway, uma mulher da alta sociedade londrina, enquanto ela organiza uma festa em sua casa. Parece simples. Mas o que Woolf constrói ali é muito mais que uma narrativa sobre um evento social: é um retrato íntimo da alma humana e das contradições silenciosas que habitam o cotidiano.

A beleza de Mrs Dalloway está em mostrar como as coisas mais banais — uma caminhada até a floricultura, o som de um relógio, a lembrança de uma conversa antiga — podem carregar um mundo inteiro dentro de si. O tempo não corre apenas para frente: ele se curva, retorna, desvia, conforme os pensamentos dos personagens saltam entre presente e passado.

Clarissa relembra sua juventude, seu antigo amor por Sally, seu afastamento de Peter Walsh, e se pergunta se tomou as decisões certas na vida. O leitor percorre esse fluxo com ela, descobrindo que há muito mais por trás de uma mulher que, à primeira vista, parece ser apenas uma anfitriã elegante.

Enquanto Clarissa vive no centro confortável da sociedade, Septimus Warren Smith vive às margens. Ex-soldado traumatizado pela Primeira Guerra, ele caminha pelas ruas de Londres imerso em delírios, assombrado por lembranças de um amigo morto e pela crueldade de um mundo que não compreende sua dor. Ele é a outra face da moeda: o silêncio e o abismo que a vida moderna pode provocar.

O elo entre eles — Clarissa e Septimus — se revela quando Clarissa, durante sua festa, ouve falar do suicídio do jovem. Mesmo sem conhecê-lo, ela se sente tocada. Há algo de verdadeiro, até corajoso, naquele gesto desesperado. A festa, repleta de conversas fúteis e aparências sociais, contrasta com o gesto final de Septimus, que parece mais autêntico do que tudo aquilo ao redor.

Clarissa Dalloway é o retrato da mulher que cumpre o papel que a sociedade espera dela — esposa de um político, refinada, sempre educada. Mas dentro dela existe inquietação: memórias que não se apagam, sentimentos que não couberam nas escolhas que fez. Woolf sugere que há uma distância entre quem somos e o que mostramos ao mundo, e esse conflito interno atravessa todo o romance.

O livro gira em torno de um dia comum — e justamente por isso, faz com que a leitora ou leitor reflita sobre o valor da vida nos pequenos gestos. Woolf mostra que até o gesto de comprar flores pode ser carregado de emoção, de história, de humanidade. A morte aparece não como algo distante, mas como uma sombra sempre presente, dando espessura à existência.

Mrs Dalloway deveria ser uma leitura obrigatória, porque é um livro que não se contenta com o óbvio. Ele escava as camadas internas de cada personagem, trata da passagem do tempo, da fragilidade da sanidade, do papel social da mulher e da delicadeza da vida interior. É uma obra sobre o silêncio que habita os dias, e sobre como, mesmo dentro de vidas aparentemente normais, cabem abismos e poesia.

Você já leu Mrs. Dalloway? Quais foram suas impressões? Comenta comigo.

 

Titulo original: Mrs. Dalloway

Titulo em português: Mrs. Dalloway

Autora: Virginal Wolf

Tradutor: Thomas Tadeu

Ano de publicação: 1925 (Reino Unido)

Editora: Moderna (2022 - Esta Edição)

Gênero: Ficção  Inglesa

Páginas: 271 páginas

Obs: Este livro foi lançado no Brasil pela primeira vez pela editora Nova Fronteira em 1945. A primeira tradução dele foi feita pela escritora Lya Luft.

Comentários

As mais vistas

A princesa dos olhos tristes

Se vocês me permitem um pequeno comentário intimo, há uma “mania” na família de minha mãe de colocar nome de princesas nas filhas. Naturalmente começou com a minha, que me batizou de Soraya (em homenagem a princesa da Pérsia, Soraya Esfandiary Bakhtiari), depois minha prima batizou sua filha de Caroline (Homenagem a filha da belíssima Grace Kelly, rainha de Mônaco) e alguns anos depois, meus tios colocaram o nome de Anne (princesa da Grã Bretanha), em minha prima. Então é fácil imaginar que vivemos em clima de “família real” boa parte de nossa infância e adolescência. Mas, de todas as histórias reais, a que mais me intriga e fascina é a da princesa da Pérsia, por ter sido uma história de amor com final infeliz, mas não trágico. Soraya foi a esposa e rainha consorte de Mohammad Reza Pahlavi, Xá da Pérsia. Conheceram-se na França, na época em que Soraya fazia um curso de boas maneiras em uma escola Suíça. Logo ela recebeu um anel de noivado com um diamante de 22,37 quilates. O casamento ...

Inferno

Autor:  Dan Brown Tradutor: Fabiano Morais e Fernanda Abreu Editora:  Arqueiro Número de páginas:  448 Ano de Lançamento:  2013 (EUA) Avaliação do Prosa Mágica:   9                               Gênio ou Louco? Você termina a leitura de Inferno e continua sem uma resposta para esta pergunta. Dan Brown nos engana, muito, de uma maneira descarada, sem dó de seu leitor, sem nenhuma piedade por sua alma. O autor passa praticamente metade do livro te enganando. Você se sente traído quando descobre tudo, se sente usado, irritado, revoltado. Que é esse Dan Brown que escreveu Inferno??? Nas primeiras duzentas páginas não parece ser o mesmo que escreveu brilhantemente Símbolo Perdido e Código D’Vince.  Mapa do Inferno. Botticelli. Então, quando você descobre que está sendo enganado, as...

Setembro

Autor:   Rosamund Pilcher Tradução: Angela Nascimento Machado Editora:  Bertrand Brasil Número de páginas: 462 Ano de Lançamento: 1990 Avaliação do Prosa Mágica:   10                         É uma história extremamente envolvente e humana que traça a vida de uma dúzia de personagens. A trama se passa na Escócia, e acontece entre os meses de maio a setembro, tendo como pano de fundo uma festa de aniversário que acontecerá em grande estilo. Violet, que me parece ser a própria Rosamund, costura a relação entre as famílias que fazem parte deste romance. Com destreza e delicadeza, a autora   nos conta o cotidiano destas famílias, coisas comuns como comer, fazer compras, tricô, jardinagem. Problemas pessoais como a necessidade de um trabalho para complementar a   renda e outras preocupações do cotidiano que surpreendem pela beleza...

Seguidores