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O Olho mais Azul

Toni Morrison, vencedora do Nobel de Literatura, estreia na ficção com O Olho Mais Azul (1970), um romance que desmonta os alicerces da beleza, da identidade e do pertencimento dentro de uma sociedade racista e patriarcal. Ao narrar a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que deseja obsessivamente ter olhos azuis, Morrison não apenas denuncia as violências visíveis e invisíveis sofridas por pessoas negras, mas também revela as marcas profundas deixadas pelo preconceito internalizado.

Uma infância esvaziada

Pecola não é apenas uma vítima da pobreza material — ela sofre com a pobreza afetiva e simbólica que permeia sua família e comunidade. Sua busca por olhos azuis é, na verdade, uma súplica por amor, aceitação e dignidade. Morrison expõe o impacto psicológico do racismo ao mostrar que Pecola acredita que a feiura — e, portanto, sua desvalorização — está em sua aparência. O que ela deseja não são olhos azuis por vaidade, mas porque os olhos azuis, para ela, simbolizam ser vista, ser amada, ser humana.

Estética e estrutura como linguagem da dor

A forma como Morrison estrutura o romance reforça sua crítica. Ela desconstrói o tom ingênuo de livros infantis, intercalando trechos parodiados do Dick and Jane, uma cartilha americana usada para ensinar leitura. Esse contraste entre a linguagem idealizada da infância branca e a realidade brutal da infância negra é um dos recursos mais potentes do livro.

Além disso, o romance é fragmentado, com múltiplos narradores e tempos misturados, como se o próprio texto carregasse a dor daquilo que não pode ser contado de maneira linear ou lógica. A voz da jovem Claudia MacTeer, que narra parte da história, oferece um contraponto: ela observa com sensibilidade e indignação o que acontece com Pecola, enquanto questiona os padrões impostos. 

Crítica social e representação simbólica

O Olho Mais Azul é uma crítica impiedosa ao racismo estrutural, mas vai além ao apontar como esses valores são introjetados pelas próprias vítimas. A personagem Geraldine, por exemplo, ilustra o desejo de “limpeza” racial ao rejeitar crianças negras como Pecola em favor de uma branquitude aspiracional. Morrison demonstra como o preconceito age de maneira insidiosa, fazendo com que negros desprezem a si mesmos e uns aos outros.

O olho azul, neste sentido, é mais que uma cor: é um símbolo do olhar colonizador, daquilo que julga, define e exclui. A obsessão de Pecola por esses olhos revela como o desejo por aceitação pode se tornar destrutivo quando está fundamentado na negação de si mesmo.

O Olho Mais Azul é uma obra profundamente perturbadora, mas necessária. Com sua linguagem lírica e denúncia contundente, Toni Morrison nos convida a olhar para as feridas abertas pelo racismo e a questionar os valores que sustentam ideias de beleza, identidade e humanidade. Não se trata apenas de uma história trágica sobre uma menina esquecida — trata-se de um espelho incômodo sobre as consequências do preconceito culturalmente aceito e perpetuado.

Você já leu este livro? Conhece a história? Comenta comigo aqui no blog.

 

Titulo original: The Bluest Eye

Titulo em portugues: O Olho Mais Azul

Autora: Toni Morrison

Ano de publicação: 1970 (EUA) | Brasil: 1994

Editora: Cia das Letras

Gênero: Literatura afro-americana

Páginas: 222 páginas

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