Outro dia, me dei conta de que guardar as coisas nem sempre é garantia de felicidade.
Foi ao abrir uma gaveta. Lá estava ele: o
belíssimo pano de prato que minha mãe me deu há muitos anos — e põe anos nisso.
Com um barrado lilás repleto de lavandas, ele repousava ali, naquele cantinho especial,
encantando exclusivamente meus olhos todas as vezes que a gaveta se abria.
Nunca o usei. Queria preservá-lo. Evitar
que o tempo o desgastasse, que as manchas certeiras o atingissem, que o sabão
em pó desbotasse aquelas flores tão vivas que pareciam morar no meu coração.
Mas um dia, decidida a fazer mudanças,
resolvi usá-lo. Ele ficou lindo, reluzente. Passei a manuseá-lo com todo
cuidado e carinho. Até que, inevitavelmente, precisou ir para o sabão. Afinal,
o que se usa precisa ser lavado.
Foi aí que a verdade veio ao meu encontro:
no tecido antes intocado, surgiu um pequeno buraquinho. Pequeno, sim — mas
suficiente para me frustrar. Tecidos guardados por um período longo demais
sofrem com a ação do tempo. A primeira lavagem revela isso com precisão.
E então, me peguei pensando: quantas
coisas, na vida, a gente tenta guardar para sempre?
Filhos, amizades, talentos, medos,
fragilidades... tudo isso, vez ou outra, tentamos esconder da vida. Proteger do
mundo. Mas será que conseguimos?
Filhos precisam viver suas próprias
histórias — eles não nos pertencem.
Amizades, se não são cultivadas, se perdem
no tempo.
Talentos, quando esquecidos, se tornam
ausências.
Medos, quando guardados, crescem. Viram
monstros.
Lembrei me de O Alquimista, de Paulo Coelho, quando ele fala sobre os chamados da
vida. Se não os atendemos, eles não voltam. E quase sempre, no final, nos
arrependemos.
Ao não fazer uso do que temos, perdemos
momentos preciosos: o café com um amigo, uma tarde pintando, dançando ou apenas
observando um pano de prato bonito enfeitando a cozinha.
Passamos pela vida provocando pequenos
distúrbios no tecido da existência — e, quando decidimos olhar para ele, lá
estão os buracos. Pequenos. Grandes. Rasgos que não têm conserto. No máximo, um
remendo.
O amor também é assim. Se o guardamos só para nós, ele se perde.
Mas, se o colocamos em uso, ele se
multiplica. Vai envelhecer — é claro — mas será um envelhecimento digno,
maduro, cheio de marcas que nos lembram o quanto vivemos.
Então, te convido: abra suas gavetas. Seus
armários. Sua alma. Veja o que você anda escondendo do mundo — e compartilhe.
Use. Viva.
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