Essa frase icônica, vinda da primeira versão da novela me levou a assistir os capítulos recentes de Vale Tudo.
É no mínimo irônico quando a atriz Malu
Gali, travestida da personagem Celina, entra esbaforida em um restaurante
gritando para ninguém tocar na maionese. Lembrou-me daquelas cenas dos filmes
de ação quando alguém entra e grita: - ninguém se mexe, ou algo parecido. Ou
então o grande Hitchcock, quando você vê a sequência de tomadas de cena com um
prato enorme de salada de maionese sendo colocado no buffet, as portas do
restante se abrindo, pessoas vão entrando e colocando a maionese no prato. Você
sabe que ela está contaminada com salmonela, você fica apreensivo, a mulher
coloca a maionese no garfo e leva lentamente para a boca (Minha nossa! O roteiro
original foi mudado!) e daí a Celina entra gritando para ninguém tocar na
maionese. Ufa! Ninguém vai morrer.
Essas tomadas de cena são ou não são dignas
de Hitchcock?
Tudo foi construído de forma primorosa a
nos levar a embarcar na cena, recursos necessários quando se está diante da
ficção por imagem.
Fico pensando na importância da
teledramaturgia na formação cultural do brasileiro. Ela ocupa um espaço
singular no imaginário e na vida cotidiana do povo. Desde a popularização da
televisão, especialmente a partir da década de 1960, novelas, minisséries e
seriados não apenas entretêm, mas moldam linguagens e percepções coletivas. No
Brasil, a teledramaturgia assumiu um papel que vai além do mero entretenimento:
tornou-se um espelho das relações sociais, dos sonhos e dos conflitos que
atravessam o país.
Tudo começou nos anos 1950, quando a
televisão ainda era novidade e as produções se inspiravam diretamente nas
radionovelas e no teatro. Gravadas ao vivo, com recursos técnicos modestos e público
restrito, essas primeiras narrativas já davam pistas de que o formato teria
grande potencial.
Já nos anos 1970, com a expansão da rede de
transmissão e a popularização dos televisores, as novelas se consolidaram como
parte do dia a dia nacional. Foi quando se definiu o formato que conhecemos
hoje: capítulos curtos, múltiplas tramas e personagens que representavam
diferentes camadas sociais. Mesmo sob a censura da ditadura, roteiristas
encontravam meios de inserir críticas sociais sutis, transformando o folhetim
em um espaço velado de resistência cultural.
Na década de 1980 houve um salto
qualitativo. O realismo passou a dominar, refletindo um Brasil em redemocratização.
Obras como Roque Santeiro e Vale Tudo abordaram temas como
corrupção, ética e desigualdade, tocando nervos sensíveis da sociedade. Ao
mesmo tempo, as novelas continuavam unindo o país — de Norte a Sul — em torno
de um debate comum, fosse ele político, moral ou simplesmente afetivo.
Nos anos 1990, a novela brasileira alcançou
reconhecimento internacional, exportando seu produto para dezenas de países. Ao
levar consigo sotaques, músicas e paisagens, ajudou a projetar a cultura
brasileira no exterior. Cenários externos, gravações em locações reais e tramas
que equilibravam humor, romance e crítica social marcaram a época.
Da década de 2010 até hoje, a
teledramaturgia vive um processo de reinvenção. O avanço do streaming mudou
hábitos de consumo: o espectador passou a assistir quando e onde quiser, e as
histórias brasileiras ganharam ainda mais projeção internacional. Ao mesmo
tempo, houve uma ampliação das vozes representadas — autores, roteiristas e
atores de diferentes origens e identidades têm espaço para trazer perspectivas
mais plurais.
A teledramaturgia tem um papel importante
em levar temas sensíveis para a discussão do povo, e também na unificação cultural
e linguística de um país tão grande como o nosso. Ao traduzir temas complexos —
racismo, violência doméstica, desigualdade de gênero, questões ambientais —
para a linguagem da ficção, ela democratiza o debate e o torna acessível a
públicos que talvez não teriam contato com essas discussões de outra forma.
Capítulo após capítulo, a teledramaturgia
conta, com emoção e intensidade, a história de um povo — e, nesse processo,
ajuda o Brasil a se reconhecer, se questionar e, talvez, se transformar.
Importante lembrar que, por mais que a
leitura seja algo insubstituível, grande parte da população não tem acesso a
livros, ou por falta de dinheiro ou por falta de bibliotecas disponíveis em
horários que um trabalhador comum possa frequentar. A teledramaturgia, em
especial as novelas, fazem o papel de auxiliares na ficcionalização da
realidade.
Então, da próxima vez que você vir alguém
gritando para não tocar na maionese, ou então se deparar com um “encosto”
insuportável atormentando os personagens, reflita sobre sua vida, pense sobre a
sociedade brasileira, faça conexões.
Sorria! Você faz parte de uma cultura rica
e iinventiva.
Um lindo final de semana!
Foto: Screenshot de uma imagem de divulgação Rede Globo
ResponderExcluirRealmente Soraya, a teledramaturgia contata todo um país, de diferentes culturas e pensamentos. Tão discriminada em certas camadas sociais, a novela serve não apenas para conectar os povos, mas para informar e despertar o interesse daquelas pessoas que são analfabetas , que não são poucas no nosso país, em que a única maneira de tomar conhecimento dos fatos é através da televisão. Seja assistindo uma novela, um filme, um programa de tv, etc.. Já fui muito noveleira, hoje já não tenho muita paciência para assistir, mas tenho acompanhado Vale Tudo, que continua tão real como na época em que passou pela primeira vez😉