Ontem mesmo estava me lembrando de uma cena. Mongaguá, um prédio de apartamento de três andares com uma laje enorme para as pessoas estenderem roupas. Uma tarde sem sol. Eu na minha versão 18, debruçada na mureta, um livro nas mãos e os olhos ávidos por aquela leitura que fluía muito mais que o vento que esvoaçava meus cabelos e as toalhas multicoloridas nos varais. O livro? Amor de Perdição, do grande autor Camilo Castelo Branco.
Sob certo aspecto, a leitura deste livro, o
impacto que ele causou gravou as cenas daquele momento. Naquele dia sem praia,
um livro marcou o tempo com suas garras de uma forma tão forte, que até hoje
posso sentir o vento, o sal do ar e o colorido daquele lugar.
Ler é, em muitos aspectos, revisitar o
tempo em todos os seus pontos. A literatura não apenas inventa mundos, mas
guarda lembranças – individuais e coletivas – que poderiam se perder no
silêncio, na falta e no esquecimento. Um livro pode ser um arquivo mais vivo
que qualquer documento, porque preserva não apenas tramas e fatos, mas gestos e
emoções.
Quando Marcel Proust mergulha em suas
lembranças ao saborear uma Madeleine em Em
Busca do Tempo Perdido, ele mostra como a memória se infiltra no cotidiano
e pode ressurgir de forma inesperada. Quando Conceição Evaristo escreve suas
“escrevivências”, ela transforma a dor e a luta de mulheres negras em
narrativa, impedindo que essas histórias sejam esquecidas.
Cada escritor, ao escrever, faz um pacto
com o tempo: o de registrar aquilo que a memória humana, tão frágil, poderia
apagar. E cada leitor, ao abrir um livro, renova esse pacto. Ler é também
recordar, ainda que seja uma lembrança que não nos pertenceu diretamente, ainda
que esta lembrança nos faça ser e viver algo que nunca faríamos fora de um
livro. É por isso que a literatura tem força, tem a métrica da empatia, da
saudade, da emoção sem limites.
A memória na literatura não é apenas
saudade. E quem disse que memória precisa ser saudade? Na literatura, a memória
é resistência contra o esquecimento, contra o vazio, contra a solidão, contra a
mesmice do cotidiano.
A memória, neste caso, é a possibilidade de
reconstituir mundos que já não existem, mas que continuam vivos nas páginas e
nas tramas dos personagens. É a lembrança que se transforma em palavras, e as
palavras que são legados.
A memória na literatura é construída em
pares, como um grande amor. Tanto ela pode durar para todo o sempre, como pode
ser fugaz, mas intensa.
Ler é amar! E como o mundo precisa
urgentemente de mais amor, vamos ler centenas de livros e construir lindas
histórias.
Um memorável final de semana.
Foto: “Viajando para o
Nepal! Site: Freepik Autor: travel-photography
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