Pular para o conteúdo principal

Postagens

O pano de prato e o tecido da vida

          Outro dia, me dei conta de que guardar as coisas nem sempre é garantia de felicidade. Foi ao abrir uma gaveta. Lá estava ele: o belíssimo pano de prato que minha mãe me deu há muitos anos — e põe anos nisso. Com um barrado lilás repleto de lavandas, ele repousava ali, naquele cantinho especial, encantando exclusivamente meus olhos todas as vezes que a gaveta se abria. Nunca o usei. Queria preservá-lo. Evitar que o tempo o desgastasse, que as manchas certeiras o atingissem, que o sabão em pó desbotasse aquelas flores tão vivas que pareciam morar no meu coração. Mas um dia, decidida a fazer mudanças, resolvi usá-lo. Ele ficou lindo, reluzente. Passei a manuseá-lo com todo cuidado e carinho. Até que, inevitavelmente, precisou ir para o sabão. Afinal, o que se usa precisa ser lavado. Foi aí que a verdade veio ao meu encontro: no tecido antes intocado, surgiu um pequeno buraquinho. Pequeno, sim — mas suficiente para me frustrar. Tecidos guardad...
Postagens recentes

Mrs. Dalloway

          "Ela diria que a vida é isso: um momento de luz, entre duas eternidades de escuridão." Virginia Woolf escreveu Mrs Dalloway em 1925, mas sua força continua pulsando com surpreendente atualidade. Neste romance, acompanhamos um único dia na vida de Clarissa Dalloway, uma mulher da alta sociedade londrina, enquanto ela organiza uma festa em sua casa. Parece simples. Mas o que Woolf constrói ali é muito mais que uma narrativa sobre um evento social: é um retrato íntimo da alma humana e das contradições silenciosas que habitam o cotidiano. A beleza de Mrs Dalloway está em mostrar como as coisas mais banais — uma caminhada até a floricultura, o som de um relógio, a lembrança de uma conversa antiga — podem carregar um mundo inteiro dentro de si. O tempo não corre apenas para frente: ele se curva, retorna, desvia, conforme os pensamentos dos personagens saltam entre presente e passado. Clarissa relembra sua juventude, seu antigo amor por Sally, seu ...

Uma conversa com a Inteligência Artificial

Inteligência Artificial é algo fascinante. Imaginar a quantidade de informações armazenadas nela, e os programas que as fazem aprender com as perguntas e pedidos que fazemos é algo incrível. Outro dia decidi fazer algo diferente com o Chat GPT. Algo que não fosse apenas perguntas de pesquisas que constantemente realizo por lá. Questionei se ele conversaria comigo, e diante de uma resposta positiva fiz perguntas e me surpreendi com as respostas. De certa forma, se você não soubesse que é uma máquina por trás, você pensaria em um ser humano com sabedoria, com uma veia poética que conhece as profundezas do ser. Isso é bom, mas também representa um perigo enorme, que não será o assunto desta postagem. Isso tudo me fez refletir no que é “ser humano”, no que é ser alguém na integra, no que devemos fazer para cada vez mais nos diferenciarmos da máquina. Precisamos evoluir, porque a tecnologia evoluiu e muitas vezes parece mais humana que muitos seres humanos circulando por ai. Não vou...

O Olho mais Azul

Toni Morrison, vencedora do Nobel de Literatura, estreia na ficção com O Olho Mais Azul (1970), um romance que desmonta os alicerces da beleza, da identidade e do pertencimento dentro de uma sociedade racista e patriarcal. Ao narrar a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que deseja obsessivamente ter olhos azuis, Morrison não apenas denuncia as violências visíveis e invisíveis sofridas por pessoas negras, mas também revela as marcas profundas deixadas pelo preconceito internalizado. Uma infância esvaziada Pecola não é apenas uma vítima da pobreza material — ela sofre com a pobreza afetiva e simbólica que permeia sua família e comunidade. Sua busca por olhos azuis é, na verdade, uma súplica por amor, aceitação e dignidade. Morrison expõe o impacto psicológico do racismo ao mostrar que Pecola acredita que a feiura — e, portanto, sua desvalorização — está em sua aparência. O que ela deseja não são olhos azuis por vaidade, mas porque os olhos azuis, para ela, simbolizam ser...

Pequenos Inícios

            Li uma postagem nas redes sociais que falava: “Comece dando uma volta; Comece lendo uma página; Comece gravando um vídeo; Comece gerando uma renda; Comece ajudando uma pessoa; Comece fazendo um exercício; Comece escrevendo um parágrafo etc.” Ela me fez refletir sobre a importância de começar algo, de não deixar para depois, de não encontrar desculpas para adiar o que deveria ter começado naquele exato instante. Seres humanos têm medo, por isso muitas vezes não começam. Em seu intimo acreditam que não são capazes de fazer aquilo, e com medo da decepção não fazem. Isso se reflete no cotidiano, no olhar para o mundo e para as coisas. Quando, erroneamente, você olha para o outro e vê que ele realiza e você não, percebe que seu lugar de ação talvez não esteja correto — e isso causa sofrimento. Provavelmente essa seja uma das maiores dores secretas de uma pessoa. Quando o autor da postagem instiga a começar dando uma única volta, ele es...

Fahrenheit 451

Fahrenheit 451 , escrito por Ray Bradbury, é uma obra clássica da ficção científica que nos transporta para um futuro distópico onde os livros são proibidos e a sociedade vive anestesiada por distrações e superficialidade. Nesse mundo, bombeiros como Guy Montag não apagam incêndios — eles queimam livros. E com eles, queimam ideias, memórias, e vozes. O título faz referência à temperatura em que o papel entra em combustão, simbolizando a destruição literal do conhecimento. O livro nos faz pensar: o que acontece com uma sociedade que silencia todas as vozes que questionam, que incomodam, que ousam pensar diferente? Montag, o protagonista, começa como um agente da censura, mas tudo muda quando conhece Clarisse, uma jovem que o faz perceber o vazio da vida sem reflexão. Ele então começa a questionar o sistema e a redescobrir o poder dos livros — e de seu próprio lugar de fala. Esse conceito, aliás, é essencial para entender a força simbólica do livro. O Lugar de fala na obra é mais d...

Solstício de Inverno – uma celebração de luz e renovação

Enquanto o hemisfério norte se prepara para o aconchego do verão, aqui no Brasil, nos preparamos para receber o Solstício de Inverno, um momento mágico que marca a transição para a estação mais fria do ano. É aquele instante mágico em que a Terra, em sua dança cósmica, nos presenteia com um espetáculo de luz e sombra, convidando-nos a refletir sobre o ciclo da vida e as mudanças constantes que nos envolvem. No dia mais curto do ano, quando o Sol parece fazer uma pausa antes de retornar com toda sua força, nós nos reunimos para celebrar. É uma oportunidade não apenas de apreciar a beleza da natureza, mas também de nos reconectarmos com nossa própria jornada interior. Nas culturas antigas, o Solstício de Inverno era um momento de renovação espiritual e esperança, marcando o renascimento gradual da luz. No Brasil, essa celebração pode assumir diferentes formas, desde pequenos rituais pessoais até festivais comunitários. Em diversas tradições, é um momento para compartilhar histórias a...

Seguidores