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Herdeiras do Mar


      Que nós mulheres somos corajosas eu já sabia, sempre soube, mas a história contada por Mary Lynn Bracht, escritora norte americana de ascendência coreana,  extrapola os limites da coragem.

As irmãs Hana e Emiko vivem em uma Coreia dominada por um Japão cruel e imperialista. Já nasceram neste ambiente. Filhas de uma linhagem de  hanenyeo – mulheres mergulhadoras, independentes, que são donas de sua subsistência sem a dependência de seus maridos – tinham um futuro traçado.

No entanto,  elas não tinham ideia de que em meio a 2º Guerra Mundial e a guerra das Coreias, cada uma delas teria um destino não esperado e cruel.

Mary Lynn foca a trama de Herdeiras do Mar nas “mulheres de consolo”. Mais de 200 mil coreanas foram sequestradas ou enganadas e se tornaram escravas sexuais, barbarizadas pelos soldados japoneses. Segundo a autora, apenas 44 delas estavam vivas quando o livro foi escrito.

É terrível ler a brutalidade impetrada a elas pelos japoneses, e o pior, as que sobreviveram precisaram se calar diante de uma sociedade patriarcal, que devido à religião confucionista, nunca admitiria uma mulher que foi “maculada” e que não estava “pura”. É revoltante!

Perceba que estas mulheres sofreram violência de dois lados. Um deles por homens (animais) que as brutalizaram, tiraram não só sua inocência, mas suas esperanças, seus sonhos, suas possibilidades de vida.  Por outro, uma sociedade retrograda e machista que não conseguiu enxergar que elas, “mulheres de consolo”, não eram culpadas pela desgraça que se abateu sobre suas vidas, essas mulheres precisavam de apoio, acolhimento.

Diferentemente da Alemanha que admitiu seus erros ao exterminar 5 milhões de judeus durante a 2º Guerra, o Japão não se desculpou até hoje pelas atrocidades que cometeu. Que fique claro que um pedido de desculpas não apaga o passado, mas demonstra arrependimento, reconhecimento do erro e vontade de mudar.

Em Seul, em frente à embaixada do Japão existia a Estátua da Paz, que se referia as mulheres de consolo. O Japão exigiu que retirassem a estátua para que um acordo fosse feito, mas não foi aceito, porque retirar a estátua significava apagar o passado.

Herdeiras do Mar é uma história sensível, repleta de emoção e de detalhes históricos que nos fazem lembrar o quanto as mulheres ainda precisam batalhar para serem respeitadas.

É importante que cada um de nós entenda que o desrespeito a uma mulher no Irã (Como a estudante que foi assassinada) é um desrespeito a nós, que vivemos em um país “um pouco mais livre”, mas não totalmente desprovido de brutalidade, é só olhar os índices de feminicídio no último ano.

Mary Lynn nos alerta para os perigos e as armadilhas que cercam as mulheres no mundo todo, passando pelo sequestro de garotas na África; pelo machismo dos fanáticos do Talibã e outros grupos extremistas e porque não dizer, pelo excesso de patriarcado praticado por algumas religiões que pipocam pelo país.

Eu acredito que as mulheres somente se libertarão de vez através do estudo, da busca do conhecimento, do uso de sua força interna para se impor. Tem um parágrafo muito bom sobre isso no livro e termino minha resenha com ele:

Quanto mais palavras você conhece, mais poderoso você fica. É por isso que os japoneses proibiram nossa língua nativa. Limitando nossas palavras, eles estão limitando nosso poder.”

 

Autor: Mary Lynn Bracht

Tradutor: Julia de Souza

Ano de lançamento: 2020

Editora: Paralela

Gênero: Ficção Histórica

Páginas: 304

Avaliação Prosa Mágica: 5 estrelas

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