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Morte no Nilo

“Quando o sol brilha, não conseguimos ver a lua. Mas quando o sol se põe...ah, quando o sol se põe..”

Seria Shakespeare se não fosse a grande autora de suspense Agatha Christie.

Morte no Nilo é um grande romance de Agatha Christie, que diferentemente de outros livros da autora, inicia sem a morte de alguém. Nele você vai aos poucos conhecendo cada personagem, em suas virtudes e mesquinhez e de repente, você está imersa com Poirot em uma luxuosa viagem pelo Egito, cercada de belezas exóticas, tumbas e achados arqueológicos.

É na viagem pelo Nilo que os assassinatos ocorrem. É na viagem que o detetive belga tem a oportunidade de avaliar os personagens e perceber que praticamente todos tem um motivo para assassinar a jovem, bela, rica e bondosa Linnet Ridgeway, cujo único ato do mal foi casar-se com o grande amor de sua melhor amiga.

É uma trama psicológica, e por isso muito interessante. Você consegue acompanhar os subterrâneos da mente de muitos dos personagens, e compreender seus dramas, suas ambições e suas maldades.

Agatha Christie constrói personagens muito convincentes, e nos traz algumas surpresas em suas subtramas, como a jovem Rosalie Otterbourne, filha de uma extravagante romancista, que após a decadência de seus livros se torna uma alcoólatra inveterada. Rosalie tenta a todo custo salvar a mãe da vergonha social, e com isso acaba se fechando e aparentando ser uma pessoa dura, ranzinza e intratável.

Outra história interessante é a de Cornélia Robson, um parente pobre de uma mulher insuportável, Marie, que a considera de menor valor e a submete aos seus caprichos e vontades. No entanto Cornélia é alguém que possui entusiasmo pela vida, que se encanta com tudo no passeio e é considerada por Poirot como uma mulher de grande caráter. Ao final do livro Cornélia tem dois pretendentes interessantes, um jovem e insuportável duque, que se encanta por sua bondade e um médico mais velho, que a quer por suas curvas e por ser uma ótima assistente. Não é algo feminista, porque a meu ver nenhum dos dois serve para uma mulher, mas está conectado com o pensamento da época, e de certa forma é “um tapa na cara” da prima de Cornelia.

Morte no Nilo é um livro que vai, ao longo de sua trama, assumindo cada vez mais tons reflexivos e sombrios. O olhar para tumbas e templos antigos, a série de assassinatos que ocorrem no barco, levam os personagens a pensar sobre a mortalidade e a eternidade. Eles processam traumas reais como resultado desses eventos. A forma como o quebra cabeça é montado, a fragmentação das partes envolvidas  me lembrou Freud e sua teoria dos sonhos

E quando o assassino é finalmente revelado, há uma profunda sensação de que não só aconteceu algo terrível, mas também que foi completamente sem sentido e que muitas vidas foram desperdiçadas. O desfecho do livro é verdadeiramente chocante, causando reverberações que não podem ser ignoradas e floreadas. É um final preocupante, mas adequado, quase novelesco.

Agatha Christie é sempre uma lição para qualquer escritor, de como escrever e prender o leitor da primeira a última página, sem que para isso se faça necessário apelar para cenas mirabolantes, sexo desproporcional ou truques baratos que somente empobrecem o texto.

Recomendo a leitura e uma boa conversa sobre o tema. É reflexivo e essencial.

 

Autor: Agatha Christie

Tradutor:  Érico Assis

Ano desta edição: 2022

Editora: Harper Collins

Gênero: Literatura Inglesa

Páginas: 320



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