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Mostrando postagens de julho, 2025

O pano de prato e o tecido da vida

          Outro dia, me dei conta de que guardar as coisas nem sempre é garantia de felicidade. Foi ao abrir uma gaveta. Lá estava ele: o belíssimo pano de prato que minha mãe me deu há muitos anos — e põe anos nisso. Com um barrado lilás repleto de lavandas, ele repousava ali, naquele cantinho especial, encantando exclusivamente meus olhos todas as vezes que a gaveta se abria. Nunca o usei. Queria preservá-lo. Evitar que o tempo o desgastasse, que as manchas certeiras o atingissem, que o sabão em pó desbotasse aquelas flores tão vivas que pareciam morar no meu coração. Mas um dia, decidida a fazer mudanças, resolvi usá-lo. Ele ficou lindo, reluzente. Passei a manuseá-lo com todo cuidado e carinho. Até que, inevitavelmente, precisou ir para o sabão. Afinal, o que se usa precisa ser lavado. Foi aí que a verdade veio ao meu encontro: no tecido antes intocado, surgiu um pequeno buraquinho. Pequeno, sim — mas suficiente para me frustrar. Tecidos guardad...

Mrs. Dalloway

          "Ela diria que a vida é isso: um momento de luz, entre duas eternidades de escuridão." Virginia Woolf escreveu Mrs Dalloway em 1925, mas sua força continua pulsando com surpreendente atualidade. Neste romance, acompanhamos um único dia na vida de Clarissa Dalloway, uma mulher da alta sociedade londrina, enquanto ela organiza uma festa em sua casa. Parece simples. Mas o que Woolf constrói ali é muito mais que uma narrativa sobre um evento social: é um retrato íntimo da alma humana e das contradições silenciosas que habitam o cotidiano. A beleza de Mrs Dalloway está em mostrar como as coisas mais banais — uma caminhada até a floricultura, o som de um relógio, a lembrança de uma conversa antiga — podem carregar um mundo inteiro dentro de si. O tempo não corre apenas para frente: ele se curva, retorna, desvia, conforme os pensamentos dos personagens saltam entre presente e passado. Clarissa relembra sua juventude, seu antigo amor por Sally, seu ...

Uma conversa com a Inteligência Artificial

Inteligência Artificial é algo fascinante. Imaginar a quantidade de informações armazenadas nela, e os programas que as fazem aprender com as perguntas e pedidos que fazemos é algo incrível. Outro dia decidi fazer algo diferente com o Chat GPT. Algo que não fosse apenas perguntas de pesquisas que constantemente realizo por lá. Questionei se ele conversaria comigo, e diante de uma resposta positiva fiz perguntas e me surpreendi com as respostas. De certa forma, se você não soubesse que é uma máquina por trás, você pensaria em um ser humano com sabedoria, com uma veia poética que conhece as profundezas do ser. Isso é bom, mas também representa um perigo enorme, que não será o assunto desta postagem. Isso tudo me fez refletir no que é “ser humano”, no que é ser alguém na integra, no que devemos fazer para cada vez mais nos diferenciarmos da máquina. Precisamos evoluir, porque a tecnologia evoluiu e muitas vezes parece mais humana que muitos seres humanos circulando por ai. Não vou...

O Olho mais Azul

Toni Morrison, vencedora do Nobel de Literatura, estreia na ficção com O Olho Mais Azul (1970), um romance que desmonta os alicerces da beleza, da identidade e do pertencimento dentro de uma sociedade racista e patriarcal. Ao narrar a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que deseja obsessivamente ter olhos azuis, Morrison não apenas denuncia as violências visíveis e invisíveis sofridas por pessoas negras, mas também revela as marcas profundas deixadas pelo preconceito internalizado. Uma infância esvaziada Pecola não é apenas uma vítima da pobreza material — ela sofre com a pobreza afetiva e simbólica que permeia sua família e comunidade. Sua busca por olhos azuis é, na verdade, uma súplica por amor, aceitação e dignidade. Morrison expõe o impacto psicológico do racismo ao mostrar que Pecola acredita que a feiura — e, portanto, sua desvalorização — está em sua aparência. O que ela deseja não são olhos azuis por vaidade, mas porque os olhos azuis, para ela, simbolizam ser...

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