Constantemente me pergunto de que estofo vêm as tramas maravilhosas que lemos nos livros? Estariam os gregos certos ao associar Érato, a que encantava, às letras?
Difícil a resposta, por que nem mesmo eu sei dizer de onde vêm as ideias quando sento em frente ao meu notebook para escrever meus romances.
O fato é que após muitos anos reli Jane Eyre, um clássico da literatura inglesa que tive o prazer de ser apresentada aos 13 anos de idade. E vejo Érato em cada frase, letra, suspiro e capítulo deste livro denso como o chumbo e ao mesmo tempo suave como as brumas noturnas.
Jane Eyre, a protagonista trágica criada por Charlotte Brontë, nos apresenta um tipo diferente de significado para a palavra tragédia, algo inusitado, tão profundo que nos arranca lágrimas a cada parágrafo lido.
Na trama, Jane Eyre é uma órfã, criada por uma tia má e sem escrúpulos que foi jogada a sorte em uma escola de caridade, na qual viveu 8 anos. Depois, já preceptora, apaixona-se por um homem, Edward Rochester, uma figura forte, marcante, de gênio difícil e passional, mas cujo destino foi cruel e esta crueldade o afasta de Jane. Algum tempo se passa e a nossa heroína encontra seu caminha e se casa com Edward. Não um final feliz como estamos acostumados, mas um final que ela considera feliz e correto.
A trama é absolutamente absorvente. É quase impossível parar a leitura, pois o ritmo empregado nos diálogos, principalmente entre Jane e Edward, nos leva a uma emoção que só sentimos quando estamos diante de grandes autores.
Mas, há também partes absolutamente irritante, principalmente quando o diálogo é entre Jane e seu primo John, um missionário fanático, que tenta mudar Jane e transformá-la em sua esposa por conveniência, sem amor, apenas em um sentido totalmente manipulativo. Em minha opinião uma passagem aviltante. Você fica se questionando o tempo todo como é que alguém pode fazer uma proposta tão degradante a uma mulher como a que ele fez a Jane? Todo o tempo ele fala em nome de Deus, e como todo fanático religioso, comete os piores e degenerados erros.
Alguns personagens são fascinantes, como a menina Adèle e suas longas falas em francês (que infelizmente não foram traduzidas na versão em português e nos obriga constantemente a recorrer a um dicionário). A sra. Fairfax, a governanta de Thornfield e as primas Mary e Diana.
Não poderia também deixar de citar o jogo de diálogos entre a protagonista e Edward Rochester quando este se declara e a pede em casamento. A cena toda se desenrola em um pomar, debaixo de um grande castanheiro, a luz da lua, em uma fala escrita tão fluentemente que você tem a sensação de estar escondido em um dos galhos do castanheiro, ouvindo todo o diálogo.
“-Minha noiva está aqui - disse, puxando-me para si – porque aqui está minha igual, minha alma gêmea. Jane, você quer se casar comigo?
Continuei sem responder, ainda tentando me desvencilhar de seu abraço. Continuava incrédula.
-Duvida de mim, Jane?
-Completamente.
-Não acredita em mim?
-Em absoluto.” (*)
E segue neste ritmo, sem nenhuma descrição de beijo acalorado ou algo mais ousado a que estamos tão acostumados neste século, no entanto está tudo lá, escondido nas entrelinhas.
A leitura de obras clássicas quase sempre nos remete a literatura atual, não em um sentido de plágio – isso nunca- mas em um sentido de que os sentimentos e dramas humanos são sempre os mesmos e que há séculos lutamos pelos mesmos ideais: receber e dar amor, ser e receber justiça.
Durante a leitura eu vi muito dos livros que fazem parte da minha cabeceira nos últimos anos. Só para citar alguns mais conhecidos têm um pouco de Rebecca – o incêndio na mansão; um pouco de Bella Swan(Crepúsculo) – no caráter, no sentido de sacrifício; um pouco do Edward(Crepúsculo) – teimosia, força de caráter, drama pessoal a ser ocultado, etc.
A tradução da Editora Bestbolso está belíssima, exceto pelo fato de manterem frases em francês, sem um rodapé para traduzi-las. Perdoável se imaginarmos que o encantamento do livro fez com que editores e tradutores mergulhassem em um mundo onde ler e falar Francês era natural. Nessas horas é preciso voltar a terra e lembrar que isto aqui é Brasil, onde mal e má se fala e lê português.
Reler Jane Eyre é um prazer que recomendo aos amantes da literatura.
(*) página 296
Jane Eyre, Charlotte Brontë. Tradução:Heloisa Seixas. Editora Bestbolso. R$19,00
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