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O Brasileiro não lê literatura brasileira – Parte 1



(Não é um tratado, ou uma tese. Apenas ideias a serem debatidas)

Decidi trazer um pouco dos assuntos que rolam nas redes sociais para o blog por que tem muita coisa que é mal falada e pensada. Então, sempre que possível vamos abrir uma discussão aqui no Prosa Mágica. O que não significa que seremos os felizes detentores da pedra filosofal, mas tentarei lançar alguma luz para debates.

Estou cansada de ler que “o brasileiro não lê literatura brasileira”, mas não vejo ninguém se aventurando a dizer o porquê, que alias é sempre a pergunta mais importante. Ok?

Vamos começar pelo índice de leitura no país: 4 livros por ano (Uma média, publicada em 2007), sendo que apenas 2,1 livros são lidos até o final. Se compararmos a alguns índices mundiais isso se torna ínfimo. 10 livros nos Estados Unidos, 15 na França, 10 na Coreia de Sul e no Japão. Estamos muitíssimo atrás destes países.

De onde vem esta falta enorme de interesse pelos livros?
- Será que é por que somos o país do Futebol, do samba e do corpo sarado quase desnudo que não há interesse pelos livros?
- Será que é por que nossa literatura é densa demais em contrapartida ao espírito do brasileiro?
- Será que o preço do livro não ajuda?
- Será que não temos uma boa literatura contemporânea e completamente atual?
As perguntas são muitas e as respostas não são tão fáceis de achar.

A Educação Formal brasileira tinha uma base muito forte na francesa, o que nos colocaria muito próximo ao interesse pelo ato de ler. No entanto, hoje, e esse hoje eu digo desde a década de 70 do século passado, nossa educação foi completamente desestruturada. Educa-se para sair bem em estatísticas. – Não vou me alongar neste assunto.

O preço do livro não ajuda, é claro, mas os últimos cinco anos tem nos trazido gratas surpresas e algumas editoras, com o aumento das tiragens, conseguiram custos muitas vezes bem abaixo dos vinte reais. Além disso, Sebo tem livros para todos os preços.

É claro que existe uma literatura contemporânea muito boa e nascente. Vou citar dois autores que inclui na minha lista de favoritos (Infelizmente eles ainda não publicaram um segundo romance): Petê Rissati com sua distopia “Réquiem: Sonhos Proibidos”, e Nihonjin, de Oscar Nakasato, ganhador do 1ª Premio Benvirá de Literatura e depois abocanhando o Jabuti de 2012.  Alias Nihonjin, como era de se esperar, já recebeu todo o tipo de crítica negativa e as mudanças recentes do Prêmio Jabuti nos leva a crer que não existe uma vontade de que isso volte a acontecer. Já com Réquiem, para sorte do autor que ainda não recebeu nenhum prêmio, mas merecia receber, a crítica ainda não destilou sua crueldade e seu veneno.
Então, se há bons preços, bons escritores, por que não se lê literatura Brasileira?
Em primeiro lugar a de se considerar que as editoras não fazem um trabalho de divulgação de peso para os escritores brasileiros, exceto os que já são muito conhecidos na mídia.

Há de se considerar que não se publica muitos autores novos, e as grande revelações acabam vindo de concursos literários que editam  as obras em baixas tiragens e acabam limitando o publico leitor.

Também há de se considerar a ilegilibilidade de alguns autores pela média do brasileiro. Guimarães Rosa, Erico Veríssimo são incompreensíveis para um público que mal estuda, mal lê e mal compreende. Se estas obras tivessem um tratamento, como se faz com Shakespeare, por exemplo, e fossem adaptadas para quadrinhos, talvez isso facilitasse o contato com este dois magníficos autores.

Há também de ser levar em conta que o nosso currículo de literatura atual descarta completamente a literatura universal e tenta fazer com que estudantes adolescentes engulam, sem água, obras de Jorge Amado, por exemplo, completamente inadequadas para o estágio de conhecimento deste público.

Quando eu era uma estudante do ensino fundamental, a minha escola tinha uma biblioteca do tamanho de um banheiro de lavanderia. Lá dentro havia, além das enciclopédias para pesquisa, coleções que incluíam contos de Grimm, Fábulas de Exopo ao lado de Monteiro Lobato. Podíamos pegar os livros que quiséssemos e levar para casa para ler.

Além disso, os professores de português (que nunca deveriam ser os mesmos da disciplina de literatura) nos incentivavam a ler qualquer coisa sob a alegação que acrescentariam um ponto na média da prova. Resultado: - Eu lia pelo menos quatro livros por mês. Meu pai tinha a coleção de José de Alencar e eu acabei lendo todos.

Depois, quando a leitura tinha que ser algo em comum, para debatermos, os professores nos fizeram ler “Morro dos Ventos Uivantes, Emily Bronte”, “David Coperfild, de Charles Dickens”, “Jane Eyre, Charlote Bronte”, “Iliada, de Homero” adaptada é claro,  para só então, depois de nos pediram para ler O Cortiço, Um certo Capitão Rodrigo, Ana Terra, de Érico Veríssimo.

Já no ensino médio, com as listas de livros para o vestibular da USP, fomos obrigados a ler Jorge Amado. Eu me lembro claramente que odiei cada linha, cada ponto daquele Capitães de Areia, a tal ponto que até hoje Jorge amado passa bem longe de minhas estantes.

Então eu me pergunto: - Por que não fomos obrigados a ler autores mais leves tanto Brasileiros como Portugueses? Por que as poesias eram usadas única e exclusivamente para estudar analise sintática? – Ninguém consegue amar a literatura do Brasil aos 15 anos lendo Jorge Amado, lendo Vidas Secas de Graciliano Ramos e analisando sintaticamente I Juca Pirama. Veja bem, não estou dizendo que não se deva ler estes autores. É claro que eles devem ser lidos, mas em processo evolutivo, da mesma forma que não se ensina números complexos e matriz a uma criança de sete anos.

Falta sensibilidade na construção de currículo. Falta conhecimento dos professores que se fecham em suas informações universitárias e não se abrem para um extenso mundo que existe além dos livros didáticos. Por que, quem é professor sabe que ao fechar a porta da sala de aula, todo aquele vasto mundo é dele e ele pode fazer o que quiser lá dentro, inclusive imprimir criatividade ao currículo.

Amigos, eu perguntei a uma professora da quinta série o que ela achava de Harry Potter, e ela me disse que nunca havia lido e que só valia a pena os clássicos. Então eu me perguntei: - O que ela sabia a respeito do mundo dos alunos que ela ensinava? – Nada. Então, como ela os fará se apaixonar pela literatura?

Não é fácil, mas eu sou do tempo em que não havia laboratórios na maioria das escolas publicas, nem de física, nem de química. Os poucos experimentos que víamos eram na mesa do professor quando ele trazia alguma coisa de casa. Neste tempo, professor de história tinha medo de dar aula e depois desaparecer, as pessoas não falavam de política, e os professores nos ensinavam que João Goulart queria nos transforma na China. Eram os tempos da ditadura, era a década de 70.  Então, não venham me dizer que hoje é difícil.

Eu acredito que não importa o que se lê, mas o ato da leitura em si. Os currículos de Português e Literatura estão precisando de pensadores com o foco na complexidade. A nossa cultura é tão importante quanto o nosso legado Universal. Não somos um povo inserido em um pedaço de mapa no Globo Terrestre. Somos sim, um cidadão do mundo que vive as contingências de uma localidade chamada Brasil, de uma língua que é a portuguesa, mas que carrega em seu DNA a história da humanidade. Não podemos negar isso, não devemos fazer esta separação.
Então, não cabe mais a afirmação “O brasileiro não lê literatura brasileira”, mas sim “o que vamos fazer para melhorar isso”.

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