Autor: Deborah Harkness
Tradutor: Marcia Frazão
Editora: Rocco
Ano de Lançamento: 2013
Número de páginas: 576
Avaliação Prosa Mágica: 9
Eu sempre gosto de contar uma história antes de começar a
resenha, e a deste livro e deveras interessante. Sombra da Noite, da autora
Deborah Harkness foi lançado em julho do ano passado nos Estados Unidos, e lá
pelo final de agosto já era possível encontrar nas livrarias brasileiras o
exemplar em inglês. Obriguei-me a resistir a tentação de ler em inglês, já que
estava escrevendo enlouquecidamente o segundo livro da minha trilogia, e se o
livro da autora fosse fosse lido naquela época, com certeza eu passaria um mês sem
conseguir ler outra coisa e escrever meu próprio livro. Em novembro, já envolvida apenas pelo processo de
revisão do meu livro e preparação para registro da obra, me dei ao luxo de ler
o livro em inglês, que resultou em uma resenha publicada aqui. A experiência
foi deveras interessante, por que a trama e o texto é tão complexo que me dei
por feliz em compreender a história, mas o detalhes ficaram para uma segunda
leitura.
A Rocco finalmente lançou a continuação e pude enfim me
deleitar com Sombra da Noite.
A trama inicia-se na Inglaterra Elizabetana, quando Mathew e
Diana chegam de sua viagem no tempo para procurar uma bruxa que ensinasse Diana
a fazer magia e um antigo manuscrito de magia chamado Ashmole 782.
Bruxa e vampiro chegam a Velha Cabana e começam a conviver
com os ilustres membros da obscura Escola da Noite. Eles viajam então entre a
Londres de 1590, França e Praga, e vivem com os diversos personagens históricos
que a autora parece conhecer tão bem como se ela mesma fosse uma bruxa.
Diana e Mathew vivem então o dilema de passar apenas pelo
passado, o que se torna impraticável, e eles começam então a viver e
transformar este tempo. Diana descobre-se uma grande feiticeira, mais poderosa
que qualquer uma de sua família já foi, e Mathew precisa se reencontrar com ele
mesmo para que o perdão e a paz interior lhe dê forças para continuar sua luta.
Esta seria uma sinopse adequada para não estragar as
surpresas.
Eu me apaixonei pela trama.
O livro não é de fácil leitura. Toda a tessitura está
recheada de fatos históricos e científicos, e sem dúvida, a questão do tempo é
algo que poderia ser discutido facilmente em um mestrado de história da
ciência, tal o apuro com que o tema foi abordado.
Moda Elizabetana - Rufos |
Além disso, o cenário que se desenrola é quase fílmico. A
descrição de roupas, ruas, casas, cavalgadas, rios e embarcações é tão
detalhista que fica impossível não enxergar exatamente como um rufo foi
assentado no corpo de Diana e como ficou o pequeno fio de perolas em contraste
com ele.
As roupas de Diana são um fator quase a parte, que mereceria
que um conhecedor de moda e desenhista fizesse os croquis de suas roupas,
babados, enchimentos e também, por que não, da rica anágua bordada com símbolos
da ciência.
Débora Harkness dividiu o livro em seis partes, e em cada
uma dessas partes há um capítulo inteiro acontecendo no presente, sempre
conectados as ações dos protagonistas no passado: - um livro de banalidades,
miniaturas, manuscritos alquímicos etc. É como se a autora nos lembrasse
constantemente: - “Olhe só. Tudo o que você faz tem uma consequência. Diana e
Mathew mexeram no passado e agora as pistas estão sendo rastreadas no
presente”. É sensacional apesar de não ser original, por que não foi o primeiro
livro que li com esta conexão. Isaac Asimov, em seu delicioso livro “O Fim da
Eternidade” já abordava esta linha que liga passado, presente e futuro.
Interessante lembrar que a bruxa Diana, que no primeiro
livro nos parecia ser um completo show pirotécnico, tais os poderes descritos
que ela possuía, descobre-se uma tecelã. A bruxa passa a ser então alguém cujos
poderes são associados a criação e não a cópia. Se levarmos em conta que a
autora é historiadora da ciência, poderíamos esperar que Diana fosse uma bruxa
com bases científicas: - os fios que ela tece, podem ser associados às energias
invisíveis que existem em todo o planeta e que urdimos, todos os segundos, na
construção de nossa caminhada na Terra.
Há personagens apaixonantes. Gallowglass, vampiro, sobrinho
de Mathew é alguém a se prestar muita atenção, por que você simplesmente quer
ver mais e mais dele na trama. Há um capítulo em particular, no qual
Gallowglass está no presente atrás das anomalias no tempo, e neste instante ele
nos conta como acompanhou Diana durante sua infância, adolescência e fase
adulta. É emocionante ouvi-lo falar que sentiu-se como um pai quando a viu
entrar em Oxford. É muito forte o amor, o carinho que ele sente por Diana, e
isso nos toca profundamente na leitura. Eu espero ver muito mais Gallowglass no
terceiro livro.
Você tem Philipe de Clermornt. O Grande patriarca do clã de
vampiros, com uma força sobrenatural, quase um Zeus com poder de vida e de
morte sobre todos. É interessante ver como o relacionamento dele com Diana
evolui, se fortifica, a ponto de uma leitura mais livre levar o leitor a pensar
que Philipe se apaixonou por Diana. Eu nego esta versão, por que percebo que o
amor de Philipe por Diana se deve principalmente a transformação que ela
proporcionou na vida de Mathew, seu filho problemático.
Agora, eu era fã de Christophe Marlowe, de sua misteriosa
história, de seu Fausto. Mas, depois de Sombra da Noite, confesso que passei a
olhar torto para ele. Não é alguém que eu gostaria de encontrar na esquina. E
isso tal o poder de sedução que o texto nos proporciona.
Não acredite que irá compreender Sombra da Noite em uma
única lida. O texto pede uma leitura atenta. Ele foi escrito na forma de um
manuscrito alquímico. Você precisa se interar da simbologia para compreender a
riqueza de detalhes que ele proporciona.
Há apenas duas questões que se colocam como negativas. Uma,
é uma questão de ponto de vista, a outra é um fato.
Na primeira se enquadra a tradução. O nível de dificuldade
em se traduzir uma obra dessas é enorme, por que não se pode dar a um tradutor
meramente técnico, por que se perderá a poeticidade do texto, ao mesmo tempo em
que um tradutor generalista cometerá enganos, que não chegam a danificar a
obra, mas incomodam.
A autora usou duas ou três palavras em Inglês para designar
o fato de Diana ser uma viajante do tempo. Com certeza Deborah Harkness teve um
motivo para usar palavras diferentes em pontos estratégicos do texto. Na
tradução para o português, foi adotado um único termo, fiandeira do tempo, que
não está incorreto, mas que não segue o texto original.
Já no segundo item, que é um fato, a revisão ortográfica do
texto deixa a desejar. Palavras escritas erradas, frase sem nexo, chegando ao
ponto de lugares que deveriam usar o pronome ela, estar como ele. Mas isso não
é um defeito deste livro, tenho encontrado erros demais em trabalhos
profissionais.
Este Relógio encontra-se em Praga. |
Eu falei um pouco da questão do tempo, que acho
particularmente fascinante. Um possível volta no tempo muda o presente. Não há
dúvidas disso, no entanto algumas vezes, lendo Sombra da Noite, eu me lembrei
do Dilema do Gato de Schrondinger. Vou resumir o experimento: Um gato, um tubo
de cianureto e uma caixa fechada. Você não sabe o que está acontecendo lá
dentro, e há 50% de chance do gato estar vivo ou morto. Mas quando você abre o
experimento, o seu olhar afeta o resultado. Eu percebo um pouco desta analise
na obra de Deborah Harkness. Diana quando caminha no tempo segue fios
entrelaçados. Se ela escolher um fio vermelho, por exemplo, todos os outros
deixam de existir, por que ela seguirá por outros caminhos. Foi a escolha dele
que a levou até aquele lugar. É
fascinante você pensar no tempo como um “constante nó de escolhas”.
Mais uma vez, considero esta continuação da Trilogia All
Souls, um dos melhores livros que já li, não só pela complexidade da trama, mas
pelo fundo histórico e cientifico que ela apresenta.
Imagem do livro Aurora Consurgens |
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A Descoberta das Bruxas – Deborah Harkness – Editora Rocco
O Fim da Eternidade – Isaac Asimov – Editora Aleph
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