Fiquei alguns dias
pensando em qual seria o meu post de Natal para o blog. Não achava adequado
publicar algo sobre um único livro recém-lido, o que farei assim que 2005
começar. Não cabia também a publicação de uma coletânea, já que meus leitores
acompanharam ao longo de 2014 todos os bons e “não tão bons” livros que fizeram
parte de minha vida. Então publicar o quê?
Olhando para minha estante
(confesso que bagunçada) vejo um título antigo, um livro que comprei em 1986 e
coincidentemente está na lista de leituras de férias de um amigo no facebook.
Quando você olha um livro
assim, vem toda uma gama de recordações, que muitas vezes passa por amigos que
ficaram ao longo da jornada de nossa vida, situações inusitadas e outros fatos.
Eu tenho muitos assim, mas este é especial.
O I Ching – O livro das
mutações, da Editora Pensamento, que ainda edita e reedita esta publicação (já
me senti tentada a comprar um novo), é o livro que escolhi como meu post de natal.
O livro que foi traduzido
para o alemão por Richard Wilheim e prefaciado por Carl Jung é algo que você
pode ler do começo ao fim, ou apenas os hexagramas que indicados enquanto você
joga as varetas ou as moedas.
Só explicando, o I Ching é
uma espécie de oráculo anterior a dinastia Chou (1150-249 a.C) que contém
imagens de linhas entrecortadas que formam trigramas que juntos formam um
hexagrama principal. Cada um desses hexagramas contém uma filosofia, um
ensinamento profundo que orientava as pessoas a tomarem decisões. O livro é
muito mais que isso e mereceria um post
completo sobre ele, mas isso eu farei mais tarde, pois exigiria uma nova
leitura e não há tempo para isso. O que interessa mesmo, neste momento, é o
sentimento em relação a ele.
Meu exemplar foi comprado
na falecida Casa Fretin, no centro de São Paulo – ele ainda tem o selinho da
loja, quase uma raridade. – e na época era algo que eu estava realmente louca
para ler.
Eu me lembro até hoje que
sai da loja em direção ao ponto de ônibus na Praça Patriarca esfusiante e com o
livro fora da sacolinha de compra, aberto e tentando ler enquanto driblava um e
outro pedestre apressado. É claro que na época, influenciada pelas deliciosas
aulas de psicologia do professor Odair Furtado, na ESPM, abri o exemplar direto no prefácio do Carl
Jung.
Mergulho na leitura,
distração a parte, não percebi que estava sendo seguida até o ônibus. Sentei no
banco próximo a janela e continuei minha leitura até que uma voz masculina me
tira do transe da leitura:
- Já descobriu seu futuro
nas linhas do I Ching?
A voz vinha do banco de
trás, e os lábios que a emitiam estavam muito próximos de minha cabeça. Um pequeno
pulo no banco é apenas um resumo do susto que levei. Coração disparado, lívida,
de susto e com a única certeza de que nada aconteceria comigo já que estava
cercada de pessoas virei a cabeça em direção ao atrevido senhor que ousava
olhar e me interromper em um momento tão intimo.
Qual não foi a surpresa
quando vi que o atrevido era um amigo, que sorria – para ser sincera –
gargalhava ao ver minha expressão de espanto.
- Pidão!!! – Exclamei, pois
este era o apelido do divertido amigo da faculdade José Esperidião.
- O livro deve ser muito
bom. – Exclamou entre risos. – Estou seguindo você desde a loja e você não
percebeu... precisa tomar cuidado. Podia ser um tarado.
Ao ouvir esta palavra, a
senhorinha que estava ao meu lado corou, virou-se para ele e disse;
- Sente-se ao lado dela
para conversarem melhor.
É claro que ela não estava
disposta a ouvir o que meu amigo tinha a dizer. Ele parecia muito liberal para
o gosto da época.
Pois bem, naquele instante
soube que o Pidão havia me seguido e subido no ônibus que levava para a minha
casa, a cada dele ficava do outro lado da cidade, na Faria Lima. Ele fez isso só
para descobrir por que eu me distrai tanto com um livro a ponto de perder a
noção de onde estava.
Passamos um tempo rindo, e
eu tentando explicar as implicações dentro da psicologia e da tradição chinesa,
que sempre teve um espaço reservado dentro de minhas preferências, daquele
livro milenar.
O papo foi até parte da
av. São João, e Pidão desceu enfrente ao antigo cinema Comodoro dizendo que
compraria um exemplar para ele.
- Você vai voltar na loja?
- Sim. – Ele respondeu
todo curioso.
- Não perca seu tempo.
Comprei o ultimo exemplar. – Ele fez um muxoxo. – Mas tem a livraria da editora
lá na Liberdade. Dá um pulo lá.
O que eu quero dizer com
todo este texto é que alguns livros nos contam outras histórias, além das que
suas páginas contêm. Contam todas as aventuras que passamos entre a compra e a
leitura. Muitas vezes nos conta a matemática financeira que foi preciso para
comprar um único exemplar – como é o caso deste I Ching.
Muitas vezes, ao longo
desses anos, pensei em mandar o livro para um sebo, mas nunca tive coragem. Ele
esta velhinho, todo amarelado, e em dias muito frio minha alergia não permite
que eu chegue nem perto dele, mas a história de sua compra, a primeira vez que
abri suas páginas e senti o cheiro de papel novo impresso e os bate papos
regados de muito bom humor e filosofia que ele gerou fazem este exemplar muito
especial. Se eu vou comprar um novo? – Ainda não sei.
Eu sempre penso em um
livro como como um ser repleto de vida que entra na nossa história com seus
personagens que vivem em uma dimensão a parte – Já usei esta expressão em meu
próprio livro Literatura & Champanhe.
Quando você escolhe um
livro para presentear, não pode ser uma escolha aleatória, ou algo feito por
obrigação. Dar um livro – ou comprar. – precisa do uso da intuição, tem que
abrir seus ouvidos para o chamado dos personagens. Eles existem, eles têm vida,
e a vida deles se entrelaça a nossa de maneira indissolúvel.
Da próxima vez que for a
uma livraria procure por algo que tire todos os seus sentidos, por um livro que
o faça se esquecer dos compromissos, dos problemas, de sua própria vida. Se
encontrar compre, por que ele será muito especial para você ou para o seu
presenteado.
Tenho um amigo querido
chamado Paulo que diz sempre em suas palestras “O Livro é conhecimento em
Conserva.” Imagine um livro de 200 anos, quanto conhecimento ele conservou para
que você o abrisse e encontrasse muito tempo depois?
Acho que Natal é isso, é
buscar o que nos encanta, o que nos faz acreditar na magia, por que só acreditando é que faremos com que
os outros acreditem e sejam felizes.
Eu acredito, e você?
Desejo a todos os meus
leitores um Natal repleto de luz, magia e com bons livros para compartilhar.
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