Estou diante de uma tarefa difícil, talvez impossível, de escrever algo digno de um texto com a grandiosidade de Otelo, de William Shakespeare.
O que dizer sobre ele?
Existe uma forma de uma leitora comum
abordar Shakespeare sem ser superficial e repetitiva?
Falarei com o coração, com a emoção do
leitor que conversa com o outro, compartilhando um pouco da experiência da
leitura que ocorreu solitária, ao longo de dias, no sofá, na cama, na praça ou
em qualquer outro espaço que permita a intimidade do livro com o leitor.
Desnecessário dizer que Shakespeare é um
gênio, que seus textos são universais e atuais até os dias de hoje, se me
permitem a redundância.
Otelo foi uma leitura nova para mim. Por
alguma razão, já tinha lido “Sonhos de uma noite de verão”, “A Tempestade”, “Muito
Barulho por Nada”, “Romeu e Julieta”, “Contos de Inverno”, mas nunca tinha me
atrevido a leitura de Otelo. Motivos? Talvez esta peça precise de um
amadurecimento que surge apenas com a idade, não sei.
Otelo nos apresenta uma época com registros
e valores completamente destoantes do hoje. É uma peça onde a figura feminina é
submissa, onde a questão da cor da pele e a origem é motivo para desdém. No
entanto, a sua atualidade é tão forte, que eu diria que a trama poderia ser
discutida até mesmo pelo ponto de vista da tão malfadada “fake news”.
Você não respira durante a leitura, por que
sabiamente, Shakespeare não nos deixa sem a ação, sem o suspense e a
expectativa. Todas as palavras, virgulas, pontos formam um todo feito para nos
prender, nos arrebatar.
Basicamente o enredo se passa entre Veneza
e Chipre. Otelo é um mouro, o que significa dizer, para a época, que ele era
negro vindo de lugares considerados “selvagens”. Para os venezianos Otelo sendo
um mouro era um “herói útil”, pois como soldados era um grande defensor dos
interesses de Veneza, forte, decidido, vitorioso; no entanto, eles também o
consideravam um monstro, porque era um Mouro e portanto, um selvagem. Veneza
era política e moralmente incorreta.
Otelo conhece Desdêmona, filha de uma
pessoa com uma posição importante. Ambos se apaixonam e se casam escondido.
Neste meio tempo, uma possibilidade de guerra surge, e em meio a tudo isso, a
sociedade questiona como a bela Desdêmona, rica e bem posicionada, pode se
casar com Otelo? Que isso somente poderia ter ocorrido sob um forte feitiço.
Tem o Iago, e posso dizer que se
acreditasse na existência do Diabo, Iago seria a personificação perfeita. Ele é
mal. A função dele na vida é odiar, é destruir, é plantar a discórdia através
de sua dissimulação.
Iago tem um tipo de maldade que incomoda,
porque ele representa o ser humano em sua total miséria espiritual. Ele se
passa pelo bem, pela honestidade, pela amizade enquanto planta sementes da
desunião, da desconfiança e da desgraça.
Iago odeia Cássio, e por isso faz de tudo
para destruí-lo. Quer o seu posto no exercito de qualquer maneira. Então, em
sua sanha de destruir de Otelo, usa Cássio como isca, e nisso faz com que o
mouro desconfie da mulher que ama, e como todos já sabemos, o amor pode virar
um ódio louco e insano.
O texto Otelo incomoda, porque como
“moradora” do século XXI acho inadmissível o preconceito racial, o uso da
mulher, a submissão do mais fraco pela violência. Ao mesmo tempo, e talvez por
isso incomode tanto, a peça nos faz refletir e ver que, mesmo hoje, ainda
encontramos essas aberrações do comportamento humano ligadas na maldade e no
preconceito. E diante desta conclusão você pensa “Como assim? Este texto foi
escrito há mais de 400 anos e ainda encontramos este tipo de moral na
sociedade?”
Deu uma vontade imensa de ver Otelo no
teatro, e aqui no Brasil temos grandes nomes de atores que seriam incríveis no
papel como Lazaro Ramos, por exemplo, que seriam grandiosos que nos
arrebatariam com seu talento.
Só por curiosidade, porque isso daria uma
análise sociológica. Até o século passado, poucos foram os atores negros que
protagonizaram Otelo. Geralmente o personagem era representado por um ator
branco pintado de preto, um dos grandes absurdos de nossa história.
E não para por aí, na época de Shakespeare,
mulheres eram representadas por homens. Uma dama não poderia nunca subir em um
palco. Grande preconceito.
Enfim, Otelo é uma história para se ler e
reler.
Eu li uma edição muito boa da peça que foi
a da Penguin. Ela contém uma introdução muito didática do Lawrence Flores
Pereira e o texto “Curinga no Baralh”, do poeta W.H.Auden, que no inicio do
século XX fez uma análise muita atual da peça. É um livro para estudar, mas nem
por isso deixa de ter o seu papel de “convite ao mergulho na fantasia”.
Recomendo. Se não leu Otelo, faça isso o quanto antes.
E, para complementar a minha pergunta
inicial. Eu amei Otelo e ao mesmo tempo fiquei com muita raiva. Briguei com sua
loucura, com sua tirania em não ouvir a pessoa amada. A cegueira que se abate
sobre ele é absurda “como assim ele não vê que está sendo manipulado?”
No entanto, Iago.... bem o “capeta” Iago eu
não desejo nem para o meu pior inimigo.
Autor: William
Shakespeare
Tradutor: Lawrence
Flores Pereira
Ano
de lançamento:
2021 (Esta Edição)
Editora: Penguin Companhia
Gênero: Teatro Inglês
Páginas: 328
Avaliação
Prosa Mágica:
#
Outras sugestões de leitura da obra de Shakespeare:
1. Julio Cesar - Penguin-Companhia
2. A Tempestade - Penguin-Companhia
3. Rei Lear - Penguin-Companhia
4. Hamlet - Penguin-Companhia
5. Romeu e Julieta - Penguin-Companhia
6.
Muito Barulho por Nada (Sebos)
7.
O mercador de Veneza
(Editora Principis)
8.
Sonhos de uma noite de
verão (Várias Editoras)
Comentários
Postar um comentário
Obrigada, seu comentário é muito importante.
Caso vá comentar no modo anonimo, por favor assine seu comentário.
Obrigada pela participação.