No inicio deste ano conheci Tiago Novaes através da internet. Muito generosamente ele fez uma Semana do Romance na qual dava dicas e orientações para quem quer escrever seu primeiro romance, ou para quem quer se aperfeiçoar. Fiquei encantada. As “dicas” eram muito mais do que dicas, e tinham uma profundidade que você não costuma ver por ai quando se trata de divulgar cursos. Obviamente virei sua aluna.
Ao longo destes cinco meses fui
surpreendida com um conteúdo farto, profundo e relevante e com a expectativa do lançamento de Baleias no Deserto: o corpo, o clima e a
cura pela terra , um livro não ficcional sobre a nossa caminhada rumo a
extinção. Eu, como aluna, tinha curiosidade de ver como o professor Tiago
desenvolvia seus próprios textos.
Confesso, me surpreendi. Começo dizendo da
sensação de estar invadindo a privacidade de alguém ao ler sorrateiramente um
diário. É isso, ler Baleias no Deserto
me parece estar “lendo” Tiago Novaes.
A temática é pesada, pois estamos falando dos
rumos que a humanidade tomou ao caminhar para provável extinção. No entanto,
com a habilidade de alguém que domina os recursos ficcionais, Tiago nos conduz
por uma jornada que é profunda, mas tocada pela leveza. É como um trecho que eu
amo do livro O Grande Gatsby, de
Fitzgerald, quando ele descreve uma brisa que balança as cortinas, o tapete e
as jovens que estão sentadas em um sofá, um ambiente em que tudo flutua, mas
quando uma janela é fechada bruscamente tudo volta para o seu lugar. No livro
de Fitzgerald retorna, no de Tiago fica impossível retornar ao mesmo ponto em
que você estava antes de se abrir para a leitura.
É diferente de ver um documentário, porque
nele você não se envolve, é apenas um espectador, na literatura as pessoas se
tornam personagens, as descrições se transformam em cenas, em enredo, e lá em
nossa quietude e intimidade com o livro fazemos um diálogo, refletimos, criamos
a empatia que nos impede de sermos os mesmos ao final da leitura.
Bendito Antonio Candido que nos exortou que
a “literatura é um direito”, porque é um direito de compreender onde estamos e
em que lugar chegaremos se continuarmos assim.
Baleias no Deserto não é um romance, mas é
uma canoa no imenso oceano de nossa existência. Estamos nela, e Tiago deixa
isso bem claro, e somos responsáveis por qual caminho seguiremos. Se a nossa
canoa virar, não poderemos nunca dizer que não prevíamos isso.
Tiago reuniu recortes de artigos de jornais
que falavam sobre sustentabilidade, desastres climáticos, além de ser
aprofundar em leitura que ele indica ao final do livro. Todo este cabedal de
informações foi costurado pelas angustias, vivencias, dúvidas e a vida do
autor. Por isso falei do diário.
Tem passagens extremamente pessoais como
seu relato de um dia em família, os encontros de comilança. Tiago reflete sobre
o vazio e como a comida preenche este espaço durante encontros familiares ou
festivos. Também nos exorta a pensar em como nossa alimentação influi nos rumos
que o planeta pode tomar.
A prosa de Tiago é cuidadosa, refletida e principalmente
embasada em pesquisa. Não espere encontrar o texto fácil do jornalismo, ou algo
panfletário. O autor nos conduz através de seus longos parágrafos a temas
urgentes que envolvem filósofos, economistas, antropólogos, historiadores,
neurocientistas e nutricionistas em uma visão de complexidade e de rede de
relações.
A grande questão que nos envolve do começo
ao fim da leitura é: teremos tempo? E, me parece que a resposta se encontra em
um único parágrafo do livro que diz:
“Teríamos de mudar o modo como enxergamos o
passado e o futuro. Na perspectiva tradicional, o passado é um continente
instituído, rígido, imóvel, ao passo que o futuro se apresenta como horizonte
de possibilidades. Mas é o contrário. Ao que parece, é o passado que se move à
medida em que nos distanciamos e voltamos a olhar para ele de uma nova
perspectiva, criando sentidos e novas narrativas, ao passo que o futuro nos
chega como um acidente imprevisível, um trem em alta velocidade. Uma fatalidade
inevitável,” pág.96
A cada olhar diferenciado para o passado
criaremos uma disrupção que poderá mudar o futuro. O que nos espera? É essa a
grande questão que Baleias no Deserto
nos apresenta. Se o futuro será um trem vindo em direção contrária ou o paraíso
na Terra, somente nosso olhar e a mudança de atitude poderá supor.
Ler Baleias no Deserto é, antes da
reflexão, um mergulho na atualidade.
Autor: Tiago Novaes
Ano
de lançamento:
2023
Editora: Rua do Sabão
Gênero: Ensaios/Narrativas
de Viagem
Páginas: 304
Avaliação
Prosa Mágica:
5 estrelas
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