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Que ele se move, ele se move.


Última apresentação da noite. As luzes se acendem e focam no homem magro, de corpo esguio no alto da plataforma. Em trajes justos azul, vermelho e amarelo o homem segura uma haste longa. Ele não demonstra ter consciência de estar lá, no topo de um andaime “meia boca”. A música toca para anunciar o inicio da apresentação e a plateia se coloca em um silêncio amedrontador. O homem abre os olhos, parecem pequenos àquela distância, seu peito sobe e desce em uma respiração profunda e ritmada. Os pés se movem lentamente, como se rasgassem o ar. Tudo parece calculado e ao mesmo tempo não.

Um passo a mais e o corpo todo estará suspenso por uma longa corda. A haste se move e a plateia nem respira. De repente a haste pende para a direita. Ohhh! sussurram as pessoas agoniadas. O equilibrista, como se tudo aquilo fosse normal, volta a caminhar, sem medo. Segue a corda e vai acertando a rota conforme o seu eixo pede. Os olhos que observam de baixo esperam pelo pior. Não há redes de proteção.

Por fim, minutos depois, triunfante, o artista chega à outra plataforma. Uma explosão irrompe da plateia, que aos aplausos se esquece da agonia e do medo da queda daquele homem. O artista sorri, agradece ao venerável publico e a si mesmo. Ele sabe a batalha, o foco o trabalho necessário para que atravessasse vivo aquele caminho.

Fim do espetáculo. Cadeiras vazias, a energia dos aplausos ainda está no ar. O homem, já na parte de baixo do palco, olha para cima e refaz todo caminho. Se ele tivesse brigado com a mobilidade da corda teria caído e percebe naquele instante: o equilíbrio é móvel.

 

Gosto de pensar no equilíbrio quando me lembro do equilibrista. Não o bêbado, mas o artista que compreende que a corda que ele deve seguir se move, e ele deverá ajustar-se nesta movimentação. É primordial ser flexível nestes momentos.

É notável como as pessoas imaginam o equilíbrio como algo fixo, imóvel, como uma peça que cimentamos na parede e, a não ser que as paredes sejam demolidas, permanecerá lá, para sempre. Mas não é bem assim.

No dia a dia precisamos administrar problemas, emoções, vitórias, derrotas e o nosso autoconhecimento, e isso tudo não é pouca coisa. Se você perde o foco mesmo que por um segundo, batata, perderá o equilíbrio e cairá. Se não for tomado por um stress, ou então por um ataque aos gritos, ou o pior de todos, se deixar levar, porque sua autoestima é baixa, e a palavra do outro tem uma conotação mais forte que a sua.

Estamos constantemente nesta corda bamba, e a cada dia atravessamos de uma ponta a outra, sem que ninguém nos aplauda se chegarmos intacto do outro lado.

Porque estou escrevendo sobre isso, hoje, em plena Sexta de Prosa?

Na semana que passou,  eu li uma matéria sobre a Gal Costa na revista Piauí (leia a matéria aqui). É chocante, porque quando vemos a imagem Gal não imaginamos a pessoa sem autoestima que a matéria apresentou. Eu só conseguia pensar em uma palavra durante a leitura: - equilíbrio. Que faltou o equilíbrio necessário para que ela pudesse, através do autoconhecimento, raciocinar e tomar as atitudes mais acertadas.

Sabe querido leitor e leitora, a vida seria bem sem graça se pisássemos em solo firme o tempo todo. Seria, de certa forma, como se fossemos guiados por um destino e não tivéssemos nenhuma decisão própria sobre nossas vidas. Não dá para imaginar uma existência desta forma.

Quando eu penso em equilíbrio enxergo sempre a busca por uma “dosagem certa” de sentimento/ação. Você não pode ficar totalmente indiferente a uma dor, como a morte de uma pessoa querida, mas também não dá para sair por aí se descabelando e gritando como um louco ao longo de semanas a fio. Dosagem, a quantidade exata de choro, de dor, de pesar equilibrada pela  certeza que a vida continua e precisamos acordar todos os dias e viver.

Vi o filme “Era uma vez em Roma” recentemente, e nele um escritor é aconselhado por uma simpática senhora, que ao se levantar todos os dias sorria e aproveite o que o dia tem a oferecer.

Fiquei refletindo sobre esta frase tão forte, que nos leva ao encontro do equilíbrio, porque se não somos gratos às coisas que o dia nos oferece, como poderemos pedir mais? E se pedimos/buscamos mais sem a devida gratidão, vamos fatalmente cair durante o espetáculo da vida, e as escoriações serão bem dolorosas,

Então, penso que precisamos treinar como o equilibrista; um passo de cada vez, foco no objetivo. Tenha uma rede de proteção, mas saiba cair, porque o segredo sempre estará na sabedoria da queda.

E, lembrando um pouco de Galileu Galilei, mas falando do equilíbrio:

- Que ele se move, ele se move.

Reflita sobre isso e tenha um lindo final de semana.

Comentários

  1. Caramba, este texto esta realmente fantástico. Você conseguiu fazer pensar como sempre preferimos caminhar sobre uma calçada, que arriscar a através uma pequena ponte feita com duas tabuas, por medo de se desequilibrar e cair. Realmente, a vida é feita de desafios e se não os enfrentarmos, que vida sem sentido seria, não? Adorei essa publicação. É desta linha editorial que gosto mais. Faz pensar! Abraços, querida amiga.

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