Era uma tarde ensolarada de outono, dessas que dá vontade de sair e olhar a natureza, sentir o calorzinho do sol na pele e, quem sabe, sentar em um café agradável e ler um bom livro enquanto se degusta um expresso.
Moro em um lugar que não me dá direito a
estes luxos. Café ao ar livre só se pegar o carro. Para observar a natureza é
preciso correr riscos e caminhar por um trecho da marginal Tiete para estar em
um parque.
O que resta é um Shopping, que estava
aberto há pouco tempo e que, para o delírio de quem ama livros tinha uma
livraria.
Vamos falar a verdade leitores, felicidade
é pouco quando entramos no paraíso, quando ouvimos os livros sussurrarem para
que você olhe para eles, para que você os compreenda, os adote. Livraria é
sempre uma fonte de prazer, mesmo naqueles dias em que você não tem um único
centavo. Só de olhar as estantes, abrir, cheirar e colocar mentalmente na sua
lista de desejos já é um grande prazer.
Bem, era o que eu esperava, o que sentia
quando me deslocava de onde moro para outros bairros em busca de um livro. Mas,
como uma boa história, escrita por um hábil escritor, há obstáculos, decepções
e um final feliz.
Naquele mês, o livro Número Zero, de
Umberto Eco, tinha sido lançando. O
autor sempre foi um dos meus queridinhos, mais pelo seu lado acadêmico, cujas
leituras fizeram parte da minha jornada como professora de ensino superior. De
romances, eu tinha lido O Nome da Rosa, o texto que alavancou o autor como best
seller no mundo todo.
Munida de uma alegria imensa, iria
finalmente experenciar ler outro romance de Eco. Tinha escolhido a dedo o
livro, já que por conta do blog decidi por algo recém-lançado para presentear
meus leitores.
Imagina uma expressão de felicidade quando cheguei
à livraria?
Gosto de independência, tanto para procurar
os livros quanto para consultar o preço. Essa história de ficar perguntando
toda hora não é comigo. Mas, para minha tristeza, entre outros bons exemplares,
não encontrei nada de Umberto Eco. Absolutamente nada, nem O Nome da Rosa.
Procuro um vendedor. Ele estava sorridente
e solicito. A primeira vista, achei que ia “dar match”, daqueles que você passa
muito tempo na livraria conversando com o vendedor sobre livros, que
teoricamente deveria ser um leitor.
- Ola, boa tarde!
- Boa tarde – ele sorria – posso te ajudar?
- Sim, preciso do livro Número Zero, do
Umberto Eco.
- Infelizmente não temos nenhum livro do
Umberto Eco.
Espantei-me, já tinha encontrado livros do
autor até em banca de jornal.
- Está em falta? Quando vai chegar?
- O público deste bairro não são pessoas
que irão ler Umberto Eco. Tenho o livro na loja da Paulista. – Assim, seco,
como um tapa na cara do consumidor.
Espera ai, como assim? Quer dizer que, por
ser um bairro periférico, sem uma beleza refinada, lotado de pessoas
trabalhadoras que pegam ônibus e trem da CPTM para se deslocar ao trabalho não
têm direito a uma escolha de leitura, como vou dizer, mais intelectual? Quem
definiu isso?
O resultado desta experiência desastrosa
foi frustrante. Não escondi meu descontentamento com a afirmação. Sai da
livraria sem o livro, chocada e confesso, nunca mais pisei lá.
A livraria, naquele Shopping, que era recém-chegada de Minas fechou
basicamente no ano seguinte. Não suportou a falta de demanda ou talvez, por
inabilidade dos vendedores, espantaram os clientes assíduos com suas afirmações
preconceituosas.
Fico pensando no poder da palavra ou das
frases. Sei que há muito preconceito no país, alguns muito mais graves que
simplesmente relegar um bairro inteiro a pessoas ignorantes. Tenho consciência que
as pessoas que moram em favelas sofrem rejeição, o diferente assusta e é
relegado ao segundo plano.
Li que esta mesma livraria abriu sua centésima
loja, fico contente porque isso significa emprego. No entanto sou obrigada a
confessar que nunca mais consegui entrar em uma delas sem ouvir a frase soando
em meus ouvidos como se fosse um prenúncio de mau agouro:
“O público deste bairro não são pessoas que
irão ler Umberto Eco. Tenho o livro na loja da Paulista.”
Bom final de semana, e principalmente, bom
uso das palavras.
Imagem Freepik
Embora seja uma palavra de uso rotineiro, pesquisei o significado da palavra PRECONCEITO e veja a definição: preconceito
ResponderExcluirsubstantivo masculino
1.
qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico.
2.
sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância.
Infelizmente, o mundo está cheio de pessoas com preconceitos. Esta palavra que gera repudio em muita gente, é a mola que impulsiona as maiores tragédias da existência humana. É contra negro, amarelos, judeus, pessoas com deficiências. etc. É um estado de espírito que vem de gerações e nunca vai acabar. Mas compartilho de sua indignação.
Abraços,
Luis Antonio
Soraya, passeando pelo seu blog descobri que temos pontos em comum, também sou fã de Umberto Eco. Meu nome é Clicie Maria Covizzi Alvarez, autora de "Sonho e Realidade" e soube pela LC que você gostaria de recebê-lo, estou enviando para o seu endereço, espero que goste.
ResponderExcluirOi Clicie, fico feliz que você tenha gostado do blog. Aguardando ansiosa o livro.
ExcluirSoraya