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Homens Imprudentemente Poéticos

De repente eu me vi em meio às cerejeiras em flor, na tranquilidade de um bosque japonês, com seus pequenos riachos murmurando ao correr por entre as pedras. Os Sakuras flutuavam nos galhos das árvores como se tivessem caídos de uma chuva mágica de flores.

Ler Walter Hugo Mãe me proporcionou esta sensação.  Neste livro ele promove um encontro entre a cultura milenar do Japão e a  habilidade em transformar prosa em poesia.

A história se passa em uma aldeia pobre no Japão as margens da floresta dos suicidas. O artesão de leques Itaro é um interprete da natureza, cujas pinturas de seus leques encantam a todos. No entanto, o artesão também vive a pobreza ao lado de sua irmã cega Matsu, e a Sra. Kame, uma espécie de empregada que foi ficando na casa deles e tornou-se um membro da família.

Itaro é um ser humano desprovido de ternura, muitas vezes imcapaz de um gesto de amor ou carinho por alguém. Muito cedo descobriu sua capacidade de ver o futuro no momento da morte de um animal. Foi assim que soube que teria uma irmã cega, e foi desta forma que salvou Matsu de ser afogada pelos pais.

O oleiro Saburo é ao contrário de Itaro, pelo menos no inicio da história. É um poço de amor, pelo menos até a morte de sua amada esposa Fuyu por uma fera misteriosa vinda da montanha. Planta jardins de flores a beira da floresta dos suicidadas, na tentativa de encantar as pessoas que por ali passam e demove-las de subir a montanha e se matar.

Matsu, a cega, enxerga o mundo através da boca. As palavras são o seu guia da beleza e da profundidade de seu universo, que me pareceu bem maior que o de qualquer outro personagem da história. Matsu, provavelmente, foi uma personagem criada a partir de lendas orientais, porque ela é bela e profunda.

Itaro e Saburo começam a se estranhar a partir da visão que Itaro tem da morte de Fuyu. Apesar de todos os cuidados de Saburo, Fuyu é atacada por uma fera e morre, e neste instante Saburo passa a odiar seu vizinho, atribuindo a morte da esposa a ele.

As ações de Itaro e Saburo ao longo da trama são poéticas, mas isso não quer dizer que são belas, mas compõe quase um haikai no qual as entrelinhas falam mais que as palavras.

Cada frase de Walter Hugo Mãe neste livro faz um sentido, mesmo que a primeira vista pareça solta. É preciso persistência para completar a leitura, não só porque o estilo do texto, no inicio,  nos causa estranheza, mas também pela linguagem lusófona, pois o livro não foi “traduzido” para o português do Brasil. No entanto, o leitor persistente é premiado com algo que transcende o simples raciocínio do dia a dia. Homens Imprudentemente Poéticos é uma grande metáfora, que será interpretada por cada um de nós de uma forma diferente.

O livro é repleto de contrapontos. Enquanto Itaro tem uma vivência destrutiva, ou seja, ele mata para ver, sua irmã Matsu que nada vê no físico é a que realmente enxerga em toda a história. A menina é a primeira mão, é o sensível. Ela faz transcendência da realidade.

Se eu gostei do livro? Com certeza amei, e meu capítulo favorito foi “A Lenda do Poço” cuja metáfora é tão contundente que nos emociona, que nos leva as lágrimas, mas também a refletir sobre os acontecimentos com Itaro naquele lugar e sobre nós mesmos e nossos medos. Nele, Itaro passa por uma intensa experiência na qual ele vivencia a  cegueira e precisa conviver com o que não vê, com o que não compreende e tentar se conciliar com ela. É redentor!

Belíssimo livro para se ler e reler. Recomendo a leitura no livro físico.

Você conhece Walter Hugo Mãe? Já leu algum livro dele. Escreva nos comentários suas impressões.


Autor: Walter Hugo Mãe

Ano de lançamento: 2016

Editora: Biblioteca Azul

Gênero: Literatura Portuguesa

Páginas: 192

Avaliação Prosa Mágica: 10

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