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O Gato que amava livros


Para você compreender realmente “O Gato que amava livros”, você precisa gostar e conhecer um pouco da cultura japonesa. Não estou falando que é impossível gostar do livro de outra forma, mas com um mergulho na cultura do país, o livro de Sosuke Natsukawa fica mais saboroso.

Li muitas bobagens em resenhas internacionais, opiniões que demonstram o total desconhecimento de uma cultura milenar, talvez por isso tomei a decisão de começar a falar sobre cultura antes de tudo.

Se você é leitor de Murakami, Ishiguro e outros grandes autores japoneses, não é isso que você vai encontrar em “O Gato que amava livros”, ao mesmo tempo é o que você verá. Calma que explico.

A cultura japonesa é muito rica em metáforas, profunda em filosofia e grandiosa em resiliência. Os jovens respeitam os mais velhos, independentemente da idade que tenham. Tem uma cena muito forte na série da Netflix “Samurai Gourmet” (Falarei sobre ela em outro momento) em que um Chef em seus 40 ou 50 anos maltrata um casal jovem de estrangeiros. Um cliente, um senhor em seus 80 anos, chama a atenção do Chef e este baixa a cabeça e aceita o puxão de orelha. No Japão se respeita a sabedoria da velhice.

E, retornando especificamente ao livro, a cultura japonesa traz o Manekineko, um gato com a pata levantada, ao qual é atribuído sorte, prosperidade etc, e está presente em todos os estabelecimentos comerciais. O gato, no período Edo (1603-1867) era um bicho de estimação muito caro, adornado pelas damas da corte com uma coleira de tecido fino vermelho com sinos pendurados, talvez por isso ele esteja presente no comércio.  Sem dúvida, o gato tem um significado especial para o Japão.

Na trama, quem movimenta a história é um gato malhado que aparece sempre vindo do fundo da livraria. Ele traz sorte, que neste caso a palavra pode ser substituída por aventura, jornada de autoconhecimento.

Rintaro Natsuki é um jovem estudante do ensino médio que foi criado com amor e livros pelo avô, proprietário da livraria Natsuki. Só que o avô de Rintaro morre, e o garoto se vê sozinho prestes a ter sua vida transformada pois uma tia virá buscá-lo em uma semana, e ele terá que abandonar a livraria que tanto ama.

Mas, vamos falar um pouco de Rintaro. Ele é um garoto um pouco comum, se você pensar que ser hikikomori (termo que se refere a pessoas reclusas, isoladas do mundo por meses e anos, e talvez o grande estopim para um número gigante de suicídios no país) é comum no Japão. Não tem amigos (pelo menos ele acredita nisso), passa boa parte de sua vida na livraria e já leu grandes clássicos. Rintaro é um profundo conhecedor de livros e amante deles.

Quando o avô morre, Rintaro perde o chão, perde o rumo de sua vida, e vai se deixando levar, sem ir à escola, sem falar com outras pessoas. Vai vivendo apenas dos livros e das lembranças do avô.

Mas, para dar umas espetadas nele, Ryota Akiba, que estuda na mesma escola que Rintaro, aparece na livraria e de certa forma, cobra a ausência dele no colégio. É o primeiro sinal de que o adolescente tem sim pessoas que se importam com ele.

Logo depois, Sayo Yuzuki, representante da classe dele, aparece na livraria com as lições de casa de Rintaro, e também com palavras afiadas cobrando a presença dele na escola. Mais um sinal de que o adolescente tem mais alguém que se preocupa com ele.

No entanto, é um gato que vai tirar Rintaro da inércia. Tigre (este é o nome dele) que aparece sorrateiro do fundo da loja em uma cena hilária com um diálogo que lembra as conversas de Alice com o gato.

“ - Você é um gato!

- Algum problema? perguntou o gato.

Não havia dúvida: o gato estava falando.” Pág.24

Na cena você percebe a incredulidade de Rintaro, ao mesmo tempo a aceitação do gato que fala. E, como toda boa história, Tigre vem com um convite a aventura, que irá tirar o adolescente do lugar comum e com isso proporcionará muitas transformações.

O convite de Tigre é para que Rintaro salve livros que estão sendo aprisionados, destruídos, picotados e eliminados. São quatro labirintos é cada um deles traz, em seu interior, uma reflexão sobre o mercado editorial e sobre o leitor de hoje.

No primeiro labirinto ele traz o leitor que lê por quantidade, aquele que ama a leitura, mas faz dela uma prisão. Quantos livros eu li? Qual é a minha meta de leitura? Coisas que eu já questionei aqui no blog. Quantidade versus qualidade de leitura.

No segundo labirinto Rintaro terá a ajuda inusitada de Sayo. Nele Sosuke discute a dilaceração dos livros através das edições resumidas, modificadas para facilitar a leitura, dos resumos que são lidos como se o leitor realmente conhecesse a obra. É uma viagem interessante com metáforas incríveis que não vou citar aqui porque seriam spoilers.

No terceiro labirinto ele discute o cruel mercado editorial, a necessidade da venda, o descarte de bons livros que não são vendidos. É uma metáfora muito boa que nos faz pensar: - como uma editora escolhe um autor para publicar? Porque alguns livros simplesmente desaparecem de catálogos? Sosuke foi muito crítico neste capítulo.

E o quarto e último labirinto representa a busca por si mesmo, o caminho para o autoconhecimento de Rintaro. É psicológico, profundo, repleto de questionamentos. Também não vou dar detalhes para não antecipar a leitura.

Em suma, O Gato que amava Livros, é uma leitura profunda, divertida e cativante. É leitura para adulto, não tenho dúvidas disso, mas poderá ser lido por uma criança de 10 ou 11 anos sem nenhum problema, porque o livro não é apenas a reflexão é também fantasia, alegria e diversão.

Só tenho uma grande dúvida. A tradução para o português foi feita diretamente da tradução inglesa, mas não é segredo para ninguém que o Brasil é um pedaço do Japão fora da ilha. Por que a tradução não foi feita direto do Japonês? Fica a pergunta se alguém puder responder.

E para finalizar, convido vocês a lerem e me contarem suas impressões. Eu lerei novamente este livro e que me desculpe o senhor do primeiro labirinto.

Autor: Sosuke Natsukawa

Tradução: Fernanda Dias (traduzido da edição em inglês)

Ano de lançamento: 2022(Brasil)  2017 (Japão)

Editora: Planeta

Gênero: Ficção Japonesa/Literatura fantástica

Páginas: 240

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