Querido leitor e leitora,
Tenho pensado bastante sobre a criação, não no sentido religioso, mas
filosófico. Percebo que as culturas através dos tempos também pararam para
refletir sobre o assunto.
Quando nos posicionamos para criar um livro, um quadro, uma música, um
mural e qualquer outra forma artística possível a um ser humano, nos deparamos
diante do dilema da criação.
Qual seria este dilema?
- Tirar de um caos interior algo que tenha um significado, um sentido
uma informação. Tudo ao mesmo tempo.
Criar é enfrentar o caos, é organizá-lo, é conseguir encontrar o tudo
que se encontra dentro do aparentemente nada.
Os antigos sempre foram muito bons em retratar isso. Ovídio em seu
poema As Metamorfoses diz o seguinte:
“Antes que a terra, o mar e o céu tomassem forma,
a natureza tinha apenas uma única face, chamada Caos:
uma massa crua e desestruturada,
um conglomerado de matéria
composta por elementos incompatíveis.
Nenhum elemento estava em sua forma correta,
e tudo estava em conflito
dentro de um mesmo corpo:
o frio com o quente,
o seco com o molhado,
o pesado com o leve”(*)
A Mitologia Grega fazia uma ideia do Caos como o principio da
organização, o principio do tudo no aparente nada. É bem interessante pensar
desta forma.
Quando estou diante da folha em branco, na iminência de escrever algo,
me deparo exatamente com a situação retratada por Ovídio. Há um caos interior,
e dentro deste caos estão contidas todas as experiências, vivencias, diálogos,
informações, leituras, sensações, emoções, tudo o que compõe o ser que sou no
hoje. Está tudo ali, em uma forma de caos organizado, esperando intensamente
para criar o novo.
Quando o texto aparece não é magia, inspiração no sentido exotérico, mas
é o que eu chamaria de acessibilidade. É o instante que o caos interior se
cansa e decide se expressar na forma de algo inteligível para outras pessoas.
É gostoso pensar na criação literária desta forma, não é leitor?
Porque decidi tirar este texto do caos?
A resposta é simples. Meu nível de leitura este ano está altíssimo, e há
algumas semanas finalizei o livro A Queda de Númenor do genial Tolkien. Neste
livro, nas notas de rodapé de um capítulo, (em uma carta) Tolkien afirma que
“os contos de Númenor” que ele criou em detalhes serviriam apenas para uso
próprio, ou seja, não eram para publicação.
Pois bem, quando um escritor chega neste nível de detalhe, exerce um
poder criador tão gigantesco que seus personagens, por mais fantasiosos que
possam parecer, são absolutamente verdadeiros, como um amigo que sentamos a
mesa de um café e passamos a tarde batendo um papo animado.
Aprendi em meu processo criativo que um personagem tem uma vida própria,
que muitas vezes você desconhece. No entanto, nós escritores, como “criadores
de vida” precisamos dar a eles uma base para que se desenvolvam.
Onde nasceu? Nome dos pais? Comida predileta? Medos? Desejos? Sonhos?
Cor predileta? Melhor e pior amigo? Quanto mais completa a biografia dele,
melhor será para que as pessoas acreditem nele.
Aprendi isso há muito tempo, quando fiz um curso no Senac e acabei
virando professora assistente. E, para quem deseja ser um escritor, sempre será
o primeiro conselho que darei.
- Sua história tem um personagem? Mesmo que seu personagem seja
uma latinha de refrigerante, para que ela seja crível, você terá que construir
uma vida para ela. Parece maluco e é.
Gostaria de compartilhar com vocês algumas das minhas experiências na
escrita, por isso comecei com a mais importante. Porque se você não tiver uma
ideia, se não houver organização do caos, se o seu personagem não tiver uma
bagagem biográfica, ele nunca será forte e talvez não haja nem literatura.
Pense nisso se quiser ser um escritor.
Um final de semana organizado, belo e aberto para muitas surpresas.
(*)A tradução do poema apresentada aqui está em forma
livre.
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