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Olhos d’água

Ah! Como é incrível dizer: - Nossa! Eu estava errada, que bom que a vida me abriu os olhos para isso.

Pois é, a primeira impressão não é a que fica. O livro “Olhos d’água”, a primeira vista, me parecia muito modismo. Muita gente falando, muitos grupos de leitura debatendo e ninguém dando uma reposta convincente sobre o porquê de tudo isso.

No entanto, os acasos e a curiosidade me levaram a leitura. Uma amiga comprou, leu e detestou, mas eu estava sem nenhuma leitura no momento e decidi desvendar o mistério.

Posso dizer que Conceição Evaristo está no hall das grandes escritoras, do texto sensível, profundo, tocante. A autora não é descarada, daquelas pessoas que escrevem sobre a desgraça com mãos pesadas pelo ódio, mas Conceição relata as mais tristes e pesarosas histórias com mãos poéticas, com uma beleza que nos abala no mais profundo do seu ser.

A menina morta por uma bala perdida na favela não é apenas mais um nome, é uma criança com medos, sonhos desejos que transparecem na história criada por ela.

A favela, na visão de Conceição Evaristo, é uma favela, um lugar indigno do ser humano, uma condição que ninguém deveria viver. Conceição não mascara favela com nomes bonitos, ela escancara a dor, a tristeza e a desesperança dessas pessoas, seja no bandido que se apaixona ou qualquer outra pessoa em um ato corriqueiro e banal.

O conto que dá nome ao livro é um achado. A filha não se lembra da cor dos olhos da mãe, porque a mãe estava sempre com os olhos molhados pela dor de não poder dar as filhas o que ela mais necessitavam.

Conceição nos coloca frente a frente neste conto com a dolorosa existência das pessoas que não tem nada, que passam fome, que tem medo que suas casas desabem no primeiro temporal, ou que o nosso morro soterre suas vidas. Mas, não é a visão fria de uma noticia, ou um texto panfletário, porque Conceição nos mostra tudo isso com a poesia, com o amor da mãe que chora, mas que encanta as filhas famintas.

“Às vezes, no final da tarde, antes que a noite tomasse conta do tempo, ela (a mãe) se sentava na soleira da porta e, juntas, ficávamos contemplando as artes das nuvens no céu.” (pág.17)

Outra história que me encantou foi “O Cooper da Cida”. Na trama, a mulher-máquina que vive contra o tempo alonga seu olhar e descobre a vida, percebe que tudo pode ser diferente, que existe um mundo fora do cronometro dela.

Em Lumbiá, o menino que amava presépios, um conto sensível e trágico ao mesmo tempo, tem um parágrafo que, de certa forma, resume o estilo de escrita da autora:

“E aos poucos, em meio às verdades-mentiras que tinha inventado, Lumbiá ia se descobrindo realmente triste, tão triste, profundamente magoado, atormentado em seu peito-coração menino.” (pág. 83)

Só posso dizer que Olhos D’água foi uma leitura prazerosa, mas não o prazer deleite, aquele que encanta pela beleza pura, pela emoção da poesia. É um momento de imersão no qual você percebe o outro. É didático, é um grito de socorro para que todos nós olhemos para a dor e a miséria que acomete a maior parte da nossa população, é um clamor para que façamos uma mudança de olhar e que levantemos de nosso confortável banco de reserva e façamos algo por essas pessoas.

- O que fazer?

- O primeiro e primordial ato a ser feito é “banir o preconceito”. Depois, cada um vai descobrir a ferramenta que possui e fazer algo.

Se você ainda não leu Conceição Evaristo, comece sem medo. Se você já leu me conta como foi seu encontro com ela.

 

Autor: Conceição Evaristo

Ano de lançamento: 2014

Editora: Pallas

Gênero: Ficção brasileira

Páginas: 116


Comentários

  1. Eu não conheço este livro e nem a autora, mas gosto deste tipo de literatura, quando o autor expoe seus personagens da maneira mais real, sem distorcer a realidade. Para fazer isso, e preciso muito talento. Tenho certeza que esta autora tem.

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  2. Você é nota fez. Adorei a forma como desenhou o livro e a autora.

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