Todos nós nascemos com propósitos em nossas vidas, mas é na família que estas ideias se aprofundam e nos influenciam. No meu caso, meu pai foi o grande influenciador da escrita e a mamãe ensinou a arte das relações humanas e da diplomacia.
Meu pai era um vendedor de autopeças, dos
bons, daqueles que tinham uma boa conversa, que entendia do que estava falando
e também tinha muitos assuntos para “jogar fora” com seus clientes. Era uma
pessoa com pouco estudo. Lembro-me dele contando da rigidez dos padres do
Colégio Coração de Jesus e a forma como os padres tratavam os alunos naquela
época. Meu pai chegou a ser agredido na cabeça com um sino apenas porque tinha
pintado o mapa do Brasil de roxo. Outros tempos.
Mesmo com pouco estudo ele era uma sumidade.
Sabia muito sobre muitas coisas. Dos continentes
e países, do céu, dos planetas, dos jogadores de futebol. Tinha uma paixão pelo
povo judeu – que o levava a buscar muitas informações sobre o assunto, ou
garimpar livrarias sobre o tema.
Pouco antes de conhecer minha mãe, meu pai
era encadernador de livros na Companhia Melhoramentos. Tempos em que tudo era
feito a mão. A costura quase perfeita, que presenciei nas inúmeras
encadernações que ele fazia dos fascículos tão comuns na década de 70/80; da capa
dura com aplicação de folha de ouro, lombadas pintadas com técnicas muito
especializadas. Eu era pequena e ficava fascinada com aquela arte.
Vem dele minha paixão pelos livros, pelo
saber, pela educação. Quando criança nos contava as estórias, que ele mesmo
inventava. Eram carneirinhos que desobedeciam aos pais e acabavam tosquiados,
girafas que tinham pneus pendurando no pescoço e assim seguia, uma infinidade
de personagens que me estimularam a imaginação, e mais tarde me levaram a
paixão da escrita.
Minha mãe era uma “professora de
relacionamentos”, quase uma embaixadora do nosso pequeno país no bairro de
Pirituba. Todo mundo, vizinhos, parentes, meus amigos, amavam minha mãe.
Ela me contou que a formatura da terceira
série dela – a última que ela teve permissão para cursar - foi na catedral de
Sorocaba. Era uma data importante para as meninas, principalmente porque, para
a maioria delas era o fim dos estudos, infelizmente naqueles tempos, o
pensamento era de que “mulher não deveria estudar”.
Lembro-me que mamãe contou do vestido lindo
que a tia fez para a ocasião, encantador. Minha mãe tinha uns nove anos na
época. A formatura era algo importante na cidade, onde as meninas todas
arrumadas ouviam seus nomes e seguiam para o altar da suntuosa Catedral para
receber seus diplomas. Não foi o que aconteceu com ela.
Explico, os tios dela eram espíritas, e o
padre proibiu minha mãe, uma garotinha de nove anos, de receber o diploma no
altar. A professora levou até ela o papel, e minha mãe ficou triste, porque se
sentiu preterida.
Cresci ouvindo estas histórias e outras
mais, que me arrependo de não ter feito registros. Na adolescência ninguém
pensa em escrever o que os pais dizem.
Conto tudo isso para vocês com o objetivo de
dizer que tudo em nossa vida nos forma
como ser humano, nos transforma em quem somos e o que fazemos.
Vivi em uma família repleta de histórias, algumas
delas boas e outras bem ruins. Meus pais foram os aventureiros de suas
existências e sei que herdei esse arsenal dentro de mim.
Quando eu falo na escrita, estou falando
disso, dizendo que escrever é elaborar em palavras os universos que existiram e
universos que existem. Alguns deles são frutos de uma história percorrida,
outros, são os acessos a dimensões ainda não estudadas pela ciência.
Quando eu falo em escrita, falo em
trabalho, em persistência, em trabalho braçal, porque escritor que é escritor
escreve todos os dias como se fosse um atleta das palavras.
Tive o prazer de colocar meu primeiro livro
nas mãos de meu pai, e lembro-me até hoje da felicidade estampada nos olhos
dele. Sei que ele não conseguiu ler, já estava muito debilitado pela doença,
mas naquele momento eu vi aquele velho prazer dele, quando trazia um novo livro
para casa, ou quando nos apresentava um assunto diferente. É o mesmo prazer que
sinto quando escrevo.
É isso, se você quer escrever, escreva e
isso tem que ser um prazer, um momento de alegria. Faça isso diariamente, não
se deixe abater. Se hoje não saiu como você gostaria, amanhã ou depois seu
texto ficará incrível.
Persista sempre, estude e leia muito.
Bom final de semana.
Crédito: Imagem gerada pelo Canva Gratuito
Adorei a leitura , que maravilha seus pais ! E realmente nossos pais são professores das experiências da vida !
ResponderExcluirSeus pais Soraya tinham um amor e bondade no coração o que faziam deles maravilhosos , Muitas saudades ! Com todo carinho estarão guardados em meu coração 🙏🏻
Como sempre, você nos apresenta a beleza da vida com palavras suaves, lindas e incentivadoras. Concordo que escrever e ler, pode ser mesmo um bem do nosso DNA. Minha mãe,escrevia poemas, desde menina, gostava de me ouvir criando letras para minhas composições de piano, populares, até dando pitacos. Já meu pai, desde 5 anos, me ensinou a ler e escrever e me deu meu primeiro livro, "Gabriel o Gatinho" ,com uma linda dedicatória, me incentivando a leitura e a escrita. Obrigada, por me fazer relembrar que temos nosso DNA de leitores e escritores.Parabens!
ResponderExcluirLendo seu texto, magnifico como sempre, me fez recordar meus pais. Ela, uma mulher vinda da roça, analfabeta, era muito rigorosa e levava a família com mão de ferro. Foi minha maior conselheira. Como faz falta! Ele, um carpinteiro, pessoa sagaz, não deixou que seu pouco estudo (talvez o primário incompleto) interferisse na sua capacidade criativa, tornando um exemplo seguido por muitos outros profissionais ao longo da sua vida. Foram tão importantes na minha formação, que nos dois livros que escrevi até hoje, conto histórias deles. Parabéns Soraya, seus textos nos fazem bem. Continue.
ResponderExcluirAbraços,
Luis Antonio
Amei a história de seus pais.Agora sei o por quê você é tão talentosa com a escrita.
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