"Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando." Pablo Picasso
A frase não é do livro, mas bem que poderia ser.
Francine Prose consegue a proeza de transformar um livro “didático” em algo
absolutamente prazeroso. Como um bom romance, Para Ler como um Escritor
consegue nos prender da primeira a última página de maneira quase viciosa.
No livro ela questiona as Oficinas de Escrita, as
regras canônicas e tudo o mais que um bom crítico insistiria em se apegar. Ler
o livro de Francine Prose é como uma “seção de desapego”.
Cabe frisar que a escritora questiona as oficinas
do ponto de vista da época em que escrevia e no formato usado pelos cursos nos
Estados Unidos. Aqui no Brasil temos Oficinas que a própria Francine adoraria
participar.
Como se explica um livro feito por quem ama os
livros? Como se explica a paixão?
- Não sei. Tentar uma explicação dessas é como tentar bloquear o fluxo de um rio com as próprias mãos, seria conseguir uma resposta para a questão: De onde vem o amor pelos livros?
A autora disse que abandou o seu Ph.D por que
professores e colegas não apresentavam a mesma paixão que ela possuía pelos
livros; que eles não estavam lendo como ela lia, que os artigos que produziam
eram coisas ininteligíveis e totalmente fora do que ela entendia por literatura.
Pontos de vista diferentes? – Sim, é claro e
saudável. No entanto o ponto de vista da autora sobre a literatura é algo que
vem da alma de quem ama a literatura, das pessoas que são capazes de estimular
um aluno indiferente a ler Machado de Assim – e gostar; de quem lê para voar
para outro mundo e não dissertar sobre colocações pronominais e outras
avaliações gramaticais e linguísticas. Pena que a edição brasileira não
respeitou o ponto de vista da autora é acrescentou um “posfácio à moda da
casa”, extremamente chato e obscuro (isso não significa que o autor do referido
posfácio não tenha mérito, apenas o texto apresentado destoa totalmente do
restante do livro).
“Para Ler como um Escritor” está dividido em partes
importantes para que possamos avaliar um texto – Palavras, Frases, Parágrafos,
Narração, Diálogo, Detalhes, Gesto e ao final uma belíssima declaração a
Tchekhov.
Não posso dizer que os capítulos são explicações -
por que isso seria chato demais – cada um deles é um bate papo de leitores que
leem atentamente, degustando cada frase, cada palavra como única e
significativa.
No capítulo sobre a Palavra, ela usa um trecho extraído do Grande Gatsby, de S. Fitzgerald, para demonstrar o poder, o som, a imagem que simples palavras podem evocar. Reproduzo o texto que está na página 38.
“As janelas estavam entreabertas e cintilavam,
brancas, contra a grama fresca lá fora, que parecia penetrar um pouco na casa.
Uma brisa percorria a sala, soprava cortinas para dentro numa ponta e para fora
na outra, como pálidas bandeiras, torcendo-as para cima rumo ao bolo de
casamento glaçado do teto, e depois ondulava sobre o tapete cor de vinho,
fazendo uma sombra sobre ele como o vento faz sobre o mar.
O único objeto completamente estático na sala era um enorme sofá que duas jovens flutuavam como se num balão ancorado. Estavam ambas de branco, e seus vestidos encrespavam-se e adejavam como se tivessem acabado de ser soprado de volta após um curto voo pela casa. Devo ter passado alguns momentos ouvindo o fustigar e o estalar das cortinas e o gemido de um quadro na parede. Depois houve um estrondo quando Tom Buchanan fechou as janelas dos fundos e o vento capturado extinguiu-se na sala, e as cortinas, os tapetes e as duas jovens pousaram lentamente no assoalho.”
Ela segue nesta mesma linha, e a cada trecho
apresentado nos leva a querer ler mais e mais destes autores. É uma pena que
parte deles não tenha uma tradução para o português. Adoro inglês, mas ler em
sua língua pátria é muito mais saboroso que ler em outra língua.
Em resumo, o leitor que começou o livro não será
mais o mesmo depois de terminar. Sua leitura muda, seu nível de observação muda
e, se você for escritor, perceberá que seu texto mudará. Você descobrirá que
“Ler em Busca de Coragem”, um belíssimo capítulo do livro, é um alento, uma
força propulsora para que o escritor não tenha medo de escrever. Que os
conceitos mais obtusos como o que diz que um livro deve ser escrito de um único
ponto de vista, foram destroçados pelos grandes escritores e não se sentirá só,
quando sua história de ficção parecer absurda, pois lembrará que a Metamorfose,
Franz Kafka, com seu homem-barata, nunca teria passado aos olhos de um editor
tradicional ou de um literato.
O que se apreende ao final desta leitura?
- Ler é ato de amor. Escrever é a concretização
deste ato.
Autor: Francine
Prose
Tradutor: Maria
Luiza X. de A. Borges
Editora: Zahar
Ano desta edição: 2008
Gênero: Não ficção
Número de páginas: 320
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