Quando um livro é bem escrito, não só possui muitas camadas de leitura como nos permite, a cada releitura uma visão mais ampla da obra. O Fim de Eternidade é um desses livros. Fiz a terceira leitura dele e ainda me surpreendo com o conteúdo que encontro.
Não creio que o tom de atualidade de O fim da
eternidade possa ser encontrado em qualquer outro livro escrito nos anos 50. O
livro de Isaac Asimov é um grande tributo às pesquisas de Einstein e às teorias
da comunicação, que vão de MacLuhan até os mais contemporâneos pesquisadores.
Quantas realidades podem existir? Há outros “eus”
que circulam por realidades paralelas, vivenciando outras experiências? Há
seres nos controlando? Estamos protegidos de uma catástrofe total de caráter
extintivo?
Não sei exatamente o que se passou na cabeça genial
de Isaac Asimov ao criar o belíssimo O Fim da Eternidade, mas estes
questionamentos permeiam seu texto do começo ao fim.
Parece estranho afirmar que um ficcionista possa
explicar um pouco das teorias de espaço tempo de forma tão simples, sem cair no
simplismo de quem não sabe o que diz. O autor consegue aquele feito com
maestria.
Asimov nos apresenta de uma maneira firme, e com um
toque de romantismo, o que seria uma viagem no tempo, e como o olhar do
observador é que constrói a realidade. Não só isso, ele nos apresenta um olhar
crítico sobre a eterna vontade do ser humano de controlar tudo e de acreditar
que sua visão de “um mundo melhor” é a que realmente tem alguma validade. –
tristes dias chamado atualidade.
Em O Fim da Eternidade, esta vontade vai ao
extremo, ao limite do possível, com seres que controlam o mundo tecendo novas
realidades sempre que a que está em vigor não os agrada. São os chamados
Eternos. Em algumas passagens da trama Asimov faz uma reflexão deste desejo sem
lançar mão de um maniqueísmo simplista, mas buscando uma análise mais complexa
que parte de diversos pontos de vista.
Mas, mesmo se tratando de pura ficção cientifica,
Asimov vai mais fundo e exalta o conhecimento do passado como passaporte para a
construção do novo. E, a figura do técnico Harlan é o exemplo mais contundente.
Pinçado do Tempo para a Eternidade e após ser
treinado para se tornar um Eterno, Harlan demonstra interesse profundo pela
história e cultura de todos os séculos que já existiram, e através deles reúne
toda a literatura que encontra, e com isso, passa a se adaptar a cada época que
viaja da forma mais adequada possível. Também apura sua capacidade de avaliar a
realidade e escolher o momento exato em que uma mudança deve ser introduzida.
E não é só isso, o Técnico nos apresenta a publicidade como uma forma de
se conhecer o tempo onde se deve ir. Em uma passagem brilhante, ele explica a
seu aprendiz:
“Esses anúncios (...) nos falam mais sobre os
tempos Primitivos do que os chamados artigos noticiosos, na mesma revista. Os
artigos noticiosos pressupõe um conhecimento básico do mundo sobre o qual estão
tratando. Usam termos que não sentem a necessidade de explicar. O que é uma
‘bola de golfe’, por exemplo?”
Então ele segue explicando por dedução o que é uma
bola de golf, apenas pela descrição no anúncio. É genial, por que de certa
forma é verdadeiro. Na publicidade, os anúncios devem apresentar não só a
emoção, e causar o desejo da compra, mas ele deve também nos apresentar o produto
de forma que o consumidor possa ter uma ideia completa, sem excessos, sem muito
trabalho entre a conexão cerebral do que vê, ouve e sente.
E, como se não bastasse isso, o anúncio tem um
papel preponderante na trama. Algo que só a mente de um gênio poderia ter
pensado em usar. E, eu me lembro muito bem que foi exatamente isso que marcou
na primeira leitura que fiz do livro, quando era estudante de publicidade na
ESPM. Lembro-me de ter comentado com um professor, e que o assunto nos gerou a
“perda” de um intervalo inteiro e um atraso para entrada na aula. Guardo até
hoje as palavras ditas por ele.
Em O Fim da Eternidade, a teoria de MacLuhan sobre
os meios de comunicação como extensões do corpo humano vão muito mais além do
que o próprio pensador imaginou. No livro de Asimov, o corpo humano se estende
para além do tempo e do espaço. Ele viaja em capsulas capazes de circularem
pelos séculos sem fim; atravessa o tecido que separa os “Eternos” da “Realidade”,
constrói novos mundos, novas histórias, e quando chega neste ponto você se
questiona se o autor não está se referindo a própria capacidade do cérebro em
criar, e pelo que sabemos hoje, comandar a matéria através do pensamento.
Tenho consciência que esta resenha extrapolou os
limites de uma resenha literária, mas não poderia de forma alguma simplesmente
resumir e comentar vagamente a trama. Não seria justo com o autor fazer isto.
Considero O Fim da Eternidade como o melhor livro
escrito por Asimov. Ele não é apenas ficção científica, tem um cunho
sociológico, filosófico e social fortíssimo, que nos leva a questionar o que
vemos hoje.
Em tempos como o nosso, onde há inserção de conteúdo
ideológico em livros escolares, vale a pena ler e pensar o que faremos para
construir outro amanhã, sempre tendo em mente que não haverá Eternos para
introduzir mudanças se errarmos nas escolhas.
E ai, que me perdoem as pessoas que não gostam de
Paulo Coelho, mas como ele diz acertadamente em Brida: - “O diabo mora nos
detalhes”. É melhor prestarmos atenção em tudo o que fazemos.
Autor:
Isaac Asimov
Tradutor: Susana
Alexandria
Editora:
Aleph
Número de páginas: 256
Ano de Lançamento: 2019 (2º Edição)
Capas Brasileiras de O Fim da Eternidade
Edição de 2007
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