Precisava de um motivo para me encontrar com Machado de Assis, não bastava ele ser o maior escritor brasileiro de todos os tempos, eu precisava de algo mais. E este algo surgiu quando passei a participar de um Clube de Leitura e o livro do encontro seguinte seria “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
Não dá para ler Machado de Assis sem ter com quem
comentar. E nada mais rico que um grupo de 14 pessoas, cada uma dando sua visão
e complementando um pouco mais sobre a vida deste grande gênio.
Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerado o
primeiro romance realista brasileiro. Nele Machado de Assis questiona a
narrativa linear e se utiliza de dois artifícios: a metalinguagem e o diálogo
com o leitor. É uma obra, sem dúvida, marcada pela ironia e pelo pessimismo.
Se pensarmos no mundo, no momento em que o livro
surgiu, havia uma ebulição, uma vontade de mudanças. Na África as grandes
potências brigavam para estabelecer suas colônias. No Brasil, a escravidão
ainda era uma realidade que estava longe de se extinguir, mesmo com a lei do
Ventre Livre, os afrodescendentes ainda eram visto com muito preconceito e
infelizmente essa visão ainda não mudou muito nos dias atuais.
Na literatura mundial pouco antes de Memórias Póstumas,
Henry James lançava “Retratos de uma Senhora”, um livro que contrasta a cultura
entre o velho e o novo, que questiona a atualidade do momento.
Confesso que me diverti demais com o livro. O
contraste entre forma e conteúdo é interessante. Machado é muito contemporâneo
em sua história escrevendo um quase diário de um morto que já não se importa em
falar o que pensa, que dialoga com o leitor sem se importar com a opinião dele.
Os capítulos são uma loucura a parte. Ora com várias paginas, ora com apenas
pontinhos.
Para contrastar essa contemporaneidade, você encontra
uma lista de palavras de época, vocábulos que hoje estão em desuso, mas que dão
um coceirinha nas mãos para buscar seu significado no dicionário. Eu acho divertido.
A grande frase que resume Brás Cubas e talvez
Machado é a seguinte, e está no final da trama:
“Não tive filhos,
não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Veja bem o negativismo, que não é apenas sobre ele,
mas que o uso do pronome “nossa” remete a toda a humanidade. É o se desgostar
de tudo, como se o mundo e a vida não valessem a pena.
Brás Cubas é alguém que tinha tudo, mas que ao
mesmo tempo não era nada. Não fez nada de especial, não casou, não teve filhos,
apenas viveu sua existência como um “bom-vivant”.
Tem outra coisa muito interessante, que é o saltar
de um assunto para o outro de forma repentina, sem método, sem uma ordem real.
Você se sente um bêbado lendo o livro, sem ter um rumo certo para seguir, apena
o virar contínuo das páginas na
sequência.
Tem uma parte que eu gostei demais que é a
referência ao pêndulo do relógio, que bate incessantemente e faz as escolhas
para a pessoa, para vida, para a morte. A sensação que dá é que o personagem
morre de medo de morrer, mas ele já está morto.
É isso, esta é minha impressão sobre o livro e não
vou me estender demais. Há textos em demasia sobre ele, estudos muito mais aprofundados.
A visão que passo nesta resenha é de alguém que se encontrou com um “morto” que
estava a sua espera há anos, mas que somente agora eu tive a coragem de
enfrentá-lo.
Você já leu este livro? Qual foi a sua impressão sobre ele?
Obs: Há tempos não publico uma resenha, mas isso não significa falta de leitura. Passei alguns meses fazendo releitura de obras importantes, textos que revolucionariam a literatura e que ensinam demais a quem quer escrever. Todos eles já haviam sido resenhados aqui no Blog.
Autor:
Machado de Assis
Editora:
PanaPaná
Número de páginas: 244
Ano de Lançamento esta edição: 2022
Li já "adulto", aos 35 ou 36 anos. Dei muita risada com o cinismo do Machado. Pra você ver como era velha, era uma edição cujo português ainda estava na velha etimologia: MEMORIAS POSTHUMAS DE BRAZ CUBAS. Infelizmente as traças a destruíram.
ResponderExcluirApesar de ter procurado publicações mais recentes, um pormenor daquela era que cada capítulo, mesmo se durasse uma linha ou uma página, ficava isolado, o que contribuía pro humor. Imagine virar uma folha e ler: "Ou muito me engano ou acabei de escrever um capítulo inútil". A graça pra mim vai pro brejo quando a editora, buscando "economizar", já mete o capítulo seguinte logo abaixo dessa frase.
Lembro que, no colégio, o professor de literatura, sujeito inteligentíssimo e já madurão (deveria estar na casa dos quase 60 anos, e dizia-se que teria sido seminarista antes de virar professor), leu o capítulo O Almocreve, e ainda nos deu, de graça, uma aula de filosofia. No capítulo, o Brás Cubas quase morre por conta de um cavalo que, se saísse em disparada, o teria feito virar autor defunto antes da hora. O almocreve do título o salvou. Almocreve, para quem não sabe, é um condutor de bestas de carga. A princípio, Brás fica tão agradecido por ter tido a vida salva, que pensa em dar uma recompensa em dinheiro ao sujeito. Mas conforme os segundos passam, ele começa a rever o valor da recompensa, com base em muitas coisas, até na aparência puída do almocreve. Ao final, ele dá uns trocos e ainda se arrepende. O professor interpretou esse capítulo de forma sensacional: a gente está SEMPRE QUERENDO justificar nossas ações. Nem que seja pra nós próprios. Sempre guardo essa orientação e fico de olho nas minhas ações, para ver se estou sendo honesto comigo mesmo.
Se um dia encontrar essa edição rara, compro, pra reler.
Obrigada por comentar. O trecho citado é muito interessante mesmo. É um livro irônico, pessimista e com um "quê" de superioridade do personagem, que no final das contas não é nada porque não fez nada de relevante na vida.
ExcluirEm relação as publicações, tem edições incríveis hoje em dia. Em tempos em que precisamos pensar na sustentabilidade não dá mesmo para colocar uma página em branco apenas com pontinhos. Imagina só preço que custaria um livro assim?
Você provavelmente vai encontrar a edição a que se refere em uma biblioteca como relíquia. Fiquei bem curiosa para ver. Vou procurar na Mario de Andrade aqui em São Paulo.
Abraços