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O ruído e o silêncio


Quarto dia de caminhada e um imprevisto me impede de seguir o cronograma. O que fazer agora? Falhar com os leitores e comigo mesma? Transferir para outra data com um pedido de desculpas?

A dúvida não me corroeu por muito tempo, sigo para o shopping em frente de casa e realizo parte da caminhada por lá. Não é o ideal, mas a tarefa será cumprida.

Caminhar em um shopping é como mergulhar em um planeta de ruídos, de luzes, de interferências que não nos deixa pensar. Quando uma ideia começa a surgir, uma vitrine, um som, uma luz mais vibrante nos tira do fluxo de pensamento e nos coloca em outra realidade.

Será que os shoppings foram construídos exatamente com essa intenção? Será que o objetivo de não nos fazer pensar, de nos conduzir a compra sem reflexão é algo planejado por eles? Ou a ideia de um lugar para compras é uma recriação das festas dionisíacas que buscam mais o prazer que a razão?

Não sei, mas sigo a caminhada sem parar em algum lugar específico, apenas ando por lá e tento ao máximo não ser absorvida para o nada existencial.

Vivemos em uma sociedade do barulho, dos ruídos, das interferências. As pessoas passam a vida fazendo coisas das 5 da manhã até tarde da noite que interessam aos outros e não a elas próprias. São as demandas de um trabalho, da família, da sociedade. E quando vão fazer algo por si própria elas se culpam achando que não estão fazendo nada.

Ler, desenhar, sentar e ouvir música, observar um pássaro através da janela, jogar conversa fora ou simplesmente sentar e se deixar levar pelo silêncio não é algo que a sociedade aprecie.

O barulho é algo torturante. Arthur Schopenhauer dizia que “A soma de barulho que uma pessoa pode suportar está na razão inversa de sua capacidade intelectual.”

Concordo com ele. Pode parecer cruel, mas quando você pensa na cacofonia torturante do cotidiano como o ruído dos carros, das pessoas que gritam ao invés de falar, dos cachorros que latem sem parar porque não são bem cuidados, do “barulho” das redes sociais que nos transbordam de bobagens, de recados sem sentido, de mensagens fakes, percebe que não há quietude suficiente para que o pensamento flua. É como se fosse um SOMA1 da nossa realidade.

Estamos entorpecidos diante de tanto ruído, de tantas mensagens vazias ou que não fariam sentido se não houvesse um meio para transmiti-las. Não é a toa que as pessoas não escutam direito. Você fala e elas não entendem, você escreve e elas não leem, você olha dentro dos olhos e elas não te veem. O ruído nos tira da realidade e nos conecta com o nada.

Então, diante de tanto ruído me vem à imagem do Papa Francisco caminhando sozinho na Praça São Pedro, durante o auge da pandemia na Itália, em um silêncio profundo e revelador.

Se a cada passo ele nos apresentava nossa insignificância diante daquele vírus desconhecido, aquele silêncio também selava uma força de que estávamos todos unidos em uma única dor e esperança.

Nesta imagem percebo, bem mais que no discurso de Schopenhauer, o poder inexorável do silêncio. Um poder que não é apenas intelectual, mas que age nas profundezas do ser, que nos comove, que nos convida a ação.

Saio do ruído pensando no silêncio. Que alívio! Teríamos o prazer do silêncio se não houvesse o barulho?

Finalizo com uma reflexão de Lulu Santos:

“Não existiria som, se não houvesse o silêncio.

Não haveria luz se não fosse a escuridão

A vida é mesmo assim

Dia e noite, não e sim. ”


Fotos:

1 - Tietê Plaza Shopping

2 - Praça de São Pedro, Vaticano.

#Dia 4

  

1 – SOMA: No livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, o Soma é uma droga usada como ópio das massas, de forma a manter a população pacifica e satisfeita, com a sensação de felicidade, em uma sociedade distópica.


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