Sigo para o 3º dia de caminhada e por sorte ele está bonito. O céu azul repleto de nuvens claras apresenta-se como uma luz. Escolhi a Vila Leopoldina porque o bairro sempre me chamou a atenção. Ruas recheadas de verde, um povo educado que passa pelas calçadas e te dá bom dia com um sorriso no rosto. É agradável caminhar por lá.
Paro o carro na mesma praça, cuja banca de
jornal resiste ao tempo e a falta de leitores. Sempre considerei as bancas de jornal
um pequeno paraíso. É um lugar de deleite, no qual eu parava por muitos minutos
e olhava as revistas, as manchetes dos jornais. Sempre saia de lá com pelo
menos dois exemplares. Hoje em dia banca de jornal vende de doces até
brinquedos. Para a tristeza de quem valoriza a cultura, os calhamaços de jornal
parecem servir unicamente para suprir as necessidades dos Pets. Será que ninguém
lê mais?
Acerto o meu aplicativo de caminhada e
começo a jornada que será leve por conta das incontáveis árvores que permeiam o
bairro. Se tem algo que me chama a atenção é observar a posição das árvores, como
os galhos estão, qual é o movimento que elas representam. Quando estão sadias
elas parecem se movimentar ao longo das noites, escondidas de nós humanos,
assim como as árvores de estórias que amamos.
Lembro-me que foram as árvores, mais propriamente os Ents, que me chamaram a atenção quando li pela primeira vez o livro O Senhor dos Anéis. Aqueles seres fantásticos que conheciam a história da Terra Média, que tinham sentimentos, que falavam e que foram à luta contra o terrível Saruman.
A Leopoldina tem muitas delas (Árvores, não
Ents) que parecem vivas, que na imaginação fértil de escritora é possível
vê-las caminhando pela Rua Passos da Pátria ao bater das 12 badaladas noturna.
São árvores que abrem seus braços em gestos felizes ou de desespero, cujo
tronco parece ter sido imobilizada no momento em que o sol nasceu, como
acontece na série de filmes Uma Noite no
Museu.
São tantas as árvores antigas que em sua imobilidade se movimentam na mente de quem as observa. É interessante tentar imitá-las, com se pudéssemos nos integrar novamente a natureza, como a lembrança de que pertencemos ao planeta Terra tanto quanto elas são nossas irmãs.
Tem uma frase do Ailton Krenak1
muito forte sobre isso que diz “(...) Eu não percebo que exista algo que não
seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo
pensar é natureza (...)”.
Ailton Krenak também fala das pessoas que o
ridicularizam porque ele abraça árvores, conversa com o rio, contempla a
montanha. Não sei se posso dizer que alguém viveu de verdade se nunca fez uma
dessas coisas. Eu olho uma árvore e vejo nela mais que um vegetal. Enxergo a
vida, o movimento, as expressões como se ela nos dissesse algo muito
importante, e elas dizem.
O astrofísico e divulgador da ciência
Marcelo Gleiser tem nos alertado para a necessidade de uma mudança de atitude
em relação ao planeta. Depois que a Terra ocupou o reles papel de mais um
planetinha no imenso Universo, passamos a nos considerar insignificantes demais
em relação a essa grandiosidade. Tem vídeos que rolam nas redes sociais que nos
apresentam como um pontinho minúsculo em relação ao todo. Esse pensamento nos
distanciou da natureza, nos tirou o foco de que somos o resultado de centenas
de milhares de combinações químicas e biológicas que dificilmente ocorreriam
exatamente igual em outros lugares do Universo. Somos especiais e precisamos
respeitar isso.
O caminhar me leva a muitos lugares, o pensamento corre solto mais rápido que meus pés podem acompanhar. Paro no “café restaurante” para pegar uma água que vem em caixinha. Na parede um quadro me lembra de que somos resultado da vida, do que vivemos, do que experienciamos, das escolhas que fazemos para viver. Reflito sobre o que estou escolhendo? Como saber se é uma construção ou uma desconstrução?
Concluo muito rapidamente que a vida é isso, é seguir sem saber ao certo se as escolhas feitas são as melhores. É um caminhar com rumo no escuro e a cada passo que damos uma luz se acende, como o acender das luzes em um parque cujas árvores estão repletas delas.
Algumas caminhadas são de experiências,
outras são de introspecção, e por incrível que pareça, a Vila Leopoldina é um
dos locais no qual o pensamento supera a observação.
Sigo no projeto imaginando agora o que está
por vir. O que será do amanhã? Pergunto mas não quero a resposta, porque desejo
a surpresa, o desvendar de uma nova história.
(1) Ailton Krenak, A vida não é Util.
Companhia das Letras. 2020.
Dia 3#
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