Este texto foi escrito em face de uma discussão por e-mail que presenciei entre chefe e subordinado, sobre um trabalho que deveria ter sido realizado no período de férias do funcionário, e o mesmo não teve condições tecnológicas de realizá-lo.
A história é sempre a mesma. As pessoas se atrapalham na comunicação interpessoal e no final das contas, sempre um é culpado e o outro e o coitado. Mas, nós perguntamos, coitado de quê?
De ser uma vitima útil já que usou o outro para encobrir seus erros? De cobrar atos quando deveria analisar suas atitudes? De que, eu pergunto?
O grande poeta Fernando Pessoa já dizia em um de seus fabulosos poemas:
“Nunca conheci alguém que tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”
Como um grande conhecedor da alma humana, Fernando Pessoa desvenda o que há por trás de cada um que se utiliza do outro, e este pode ser amigo, parente, empregado, para dizer subjetivamente que ele é o mais vil, o mais reles ser que habita a face da terra.
Viva Fernando Pessoa que há muito tempo desnudou este comportamento vil do ser humano que se acha “bom” mas, na realidade, está no limbo da evolução.
E como não sei falar sem usar a literatura, segue abaixo o Poema em linha reta, de Fernando Pessoa na integra. Vale imprimir uma cópia e deixar na agenda. Leia todas as vezes que se sentir reduzido.
Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
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