Em 2023, durante cinco meses, acompanhei o processo de lançamento de um livro marcante, cuja leitura merece releituras sempre que nos deparamos com desastres ambientais como a trágica enchente no Rio Grande do Sul, algo nunca visto neste país, pelo menos que eu me lembre.
Ao longo destes cinco meses fui surpreendida com um
conteúdo farto, profundo e relevante e com a expectativa do lançamento
de Baleias no Deserto: o corpo, o clima e a cura pela terra ,
um livro não ficcional sobre a nossa caminhada rumo a extinção. Eu, como aluna,
tinha curiosidade de ver como o professor Tiago desenvolvia seus próprios
textos. (Cabe observar aqui que sou aluna do curso A Preparação do Romance,
ministrado pelo Tiago Novaes)
Confesso, me surpreendi. Começo dizendo da sensação
de estar invadindo a privacidade de alguém ao ler sorrateiramente um diário. É
isso, ler Baleias no Deserto me parece estar “lendo” Tiago
Novaes.
A temática é pesada, pois estamos falando dos rumos
que a humanidade tomou ao caminhar para provável extinção. No entanto, com a
habilidade de alguém que domina os recursos ficcionais, Tiago nos conduz por
uma jornada que é profunda, mas tocada pela leveza. É como um trecho que eu amo
do livro O Grande Gatsby, de Fitzgerald, quando ele descreve uma
brisa que balança as cortinas, o tapete e as jovens que estão sentadas em um
sofá, um ambiente em que tudo flutua, mas quando uma janela é fechada
bruscamente tudo volta para o seu lugar. No livro de Fitzgerald retorna, no de
Tiago fica impossível retornar ao mesmo ponto em que você estava antes de se
abrir para a leitura.
É diferente de ver um documentário, porque nele
você não se envolve, é apenas um espectador, na literatura as pessoas se tornam
personagens, as descrições se transformam em cenas, em enredo, e lá em nossa
quietude e intimidade com o livro fazemos um diálogo, refletimos, criamos a
empatia que nos impede de sermos os mesmos ao final da leitura.
Bendito Antonio
Candido que nos exortou que a “literatura
é um direito”, porque é um direito de compreender onde estamos e em que
lugar chegaremos se continuarmos assim.
Baleias no Deserto não é um romance, mas é uma
canoa no imenso oceano de nossa existência. Estamos nela, e Tiago deixa isso
bem claro, e somos responsáveis por qual caminho seguiremos. Se a nossa canoa
virar, não poderemos nunca dizer que não prevíamos isso.
Tiago reuniu recortes de artigos de jornais que
falavam sobre sustentabilidade, desastres climáticos, além de ser aprofundar em
leitura que ele indica ao final do livro. Todo este cabedal de informações foi
costurado pelas angustias, vivencias, dúvidas e a vida do autor. Por isso falei
do diário.
Tem passagens extremamente pessoais como seu relato
de um dia em família, os encontros de comilança. Tiago reflete sobre o vazio e
como a comida preenche este espaço durante encontros familiares ou festivos.
Também nos exorta a pensar em como nossa alimentação influi nos rumos que o
planeta pode tomar.
A prosa de Tiago é cuidadosa, refletida e
principalmente embasada em pesquisa. Não espere encontrar o texto fácil do
jornalismo, ou algo panfletário. O autor nos conduz através de seus longos
parágrafos a temas urgentes que envolvem filósofos, economistas, antropólogos,
historiadores, neurocientistas e nutricionistas em uma visão de complexidade e
de rede de relações.
A grande questão que nos envolve do começo ao fim
da leitura é: teremos tempo? E, me parece que a resposta se encontra em um
único parágrafo do livro que diz:
“Teríamos de mudar o modo como enxergamos o passado
e o futuro. Na perspectiva tradicional, o passado é um continente instituído,
rígido, imóvel, ao passo que o futuro se apresenta como horizonte de
possibilidades. Mas é o contrário. Ao que parece, é o passado que se move à
medida em que nos distanciamos e voltamos a olhar para ele de uma nova
perspectiva, criando sentidos e novas narrativas, ao passo que o futuro nos
chega como um acidente imprevisível, um trem em alta velocidade. Uma fatalidade
inevitável,” pág.96
A cada olhar diferenciado para o passado criaremos
uma disrupção que poderá mudar o futuro. O que nos espera? É essa a grande
questão que Baleias no Deserto nos apresenta. Se o futuro será
um trem vindo em direção contrária ou o paraíso na Terra, somente nosso olhar e
a mudança de atitude poderá supor.
Ler Baleias no Deserto é, antes da
reflexão, um mergulho na atualidade.
Autor: Tiago
Novaes
Ano de lançamento: 2023
Editora: Rua
do Sabão
Gênero: Ensaios/Narrativas
de Viagem
Páginas: 304
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